O Presidente Trump manda cumprimentos

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1. Mike Pence foi à conferência que reúne anualmente em Munique a elite da segurança e defesa com a missão de tranquilizar os aliados europeus sobre as intenções de Donald Trump no que respeita à NATO. Pronunciou 19 vezes o nome do Presidente americano para deixar claro que falava por ele. Usou palavras fortes, garantindo que os EUA se mantêm fieis à Aliança, assente nos valores comuns partilhados pelos dois lados Atlântico. “Hoje, em nome do Presidente Trump, trago-vos esta garantia: os EUA apoiam fortemente a NATO e não vacilarão no seu compromisso com a aliança transatlântica.”

Não conseguiu deixar os aliados europeus completamente descansados pelo que disse nas entrelinhas e porque ninguém acredita, em Bruxelas ou em Munique, que a palavra do Presidente americano não conte. Pence quebrou o gelo. Nesta segunda-feira, concluiu a sua missão de “relações públicas” com uma visita, porventura ainda mais significativa, às sedes da União Europeia, para se encontrar com Donald Tusk e com Jean-Claude Juncker. “É meu privilégio, em nome do Presidente Trump, expressar o forte compromisso dos EUA na continuação da cooperação e da parceria com a União Europeia”. O presidente do Conselho Europeu agradeceu as suas palavras, não sem lembrar que, nos últimos tempos, muita coisa aconteceu: “Foram demasiadas notícias e opiniões surpreendentes sobre a nossa relação, para fingirmos que tudo estava como antes”.

2. Munique conta a história do Ocidente e da sua relação com o mundo nos últimos 50 anos. Durante a Guerra Fria, foi um fórum de debate dos países da NATO, centrado na defesa contra a União Soviética e na relação com o resto de mundo, onde se travavam as “guerras por procuração” do equilíbrio do terror. Após a Queda do Muro, a participação foi-se progressivamente alargando e a presença russa passou a ser uma constante. Foi ali também que o Ocidente se dividiu profundamente por causa da guerra no Iraque (2003).

Hoje, de novo, as relações transatlânticas voltaram a ser a grande questão que, no palco e nos bastidores, ocupou os participantes. A tarefa de Pence não era fácil. Durante a campanha, Trump disse da NATO e da UE aquilo que os europeus não estavam preparados para ouvir, pondo em causa os dois pilares em que assentou a política americana desde o pós-guerra: classificou a NATO de obsoleta e manifestou o seu desprezo pela UE, desafiando os seus membros a seguirem o exemplo do “Brexit”. A “reparação dos estragos” já tinha começado com a visita do chefe do Pentágono à NATO, no dia 15. Jim Mattis renovou o empenho americano na Aliança, mas com uma condição: os europeus pagarem muito mais pela sua própria defesa. Não foi o primeiro a fazê-lo e hoje os EUA são os responsáveis por 70% do financiamento da Aliança.

3. Em Munique, Pence descreveu a NATO como uma aliança ainda fundamental para o seu país e encarou de frente o elefante que esteve sempre na sala: a Rússia. “Notem o que vou dizer: os EUA continuam a responsabilizar a Rússia [pela crise na Ucrânia e pela ocupação da Crimeia], mesmo que procuremos um terreno comum que, como sabem, o Presidente Trump acredita que pode ser encontrado”.

Sergei Lavrov, o chefe da diplomacia russa, limitou-se a defender em Munique uma velha ideia que Putin tinha arquivado depois da crise ucraniana, mas à qual a eleição de Trump deu novo alento: a construção de uma ordem pós-ocidental. Na sua primeira versão, defendia uma “segurança pan-europeia”, que englobasse a Rússia significasse o toque de finados da NATO. A velha hostilidade dos republicanos à Rússia foi expressa em Munique pelo congressista republicano do Texas Michael McCaul: “Até agora, é apenas retórica sem acção”. Referia-se ao comportamento de Putin, enumerando os vários dossiers em que a Rússia ainda não se mostrou cooperativa, da Síria à Ucrânia, passando por uma série de sinais “provocadores”, incluindo um navio-espião ao largo de Connecticut. Putin continua à espera de saber com o que pode contar. A sua preocupação imediata são as sanções.

4. Angela Merkel, que teve um encontro a sós com Pence, não hesitou em reconhecer que os europeus têm de fazer mais pela sua segurança. Ela própria já anunciou a intenção de aumentar o orçamento de defesa dos actuais 1,2% para os exigidos 2%, até 2024. Avisou que o fará ao seu ritmo e que não basta deitar dinheiro para cima das forças armadas para resolver os problemas.

A defesa vai ser um dos pontos centrais da agenda europeia nas próximas semanas mas também um terreno difícil na campanha eleitoral alemã. Em Munique, o chefe da diplomacia alemã, Sigmar Gabriel, perguntou onde tenciona a chanceler ir buscar o dinheiro, um argumento a que os alemães são sensíveis. Lembrou que, só para receber os refugiados, Berlim gastou 30 a 40 mil milhões de euros por ano.

Voltando a Munique, o senador americano democrata Chris Murphy saudou o discurso de Pence mas acrescentou que via “dois governos rivais dentro da administração Trump”. Qual é o verdadeiro? A Europa ainda não sabe. O que falhou na visita de Pence à Europa foi uma visão sobre o futuro, comum aos dois lados da Aliança. Por enquanto, a Europa continua à espera do próximo tweet. Trump vem à Europa em Maio, para a sua primeira cimeira da Aliança.     

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