O dia seguinte

Nenhum dos problemas que a Europa tem pela frente ficará resolvido.

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1. O Presidente da Comissão Europeia convocou para a manhã do dia seguinte uma reunião com os presidentes do Conselho Europeu, do Parlamento Europeu e o primeiro-ministro holandês que preside ao Conselho neste semestre. Jean-Claude Juncker quer uma resposta rápida e clara ao resultado do referendo britânico. Na língua inglesa que já tomou conta de Bruxelas, a Reuters resume-a a três R. “Regret, Respect, Resolve”. “The show must go on”. Estamos a falar do pior dos cenários. Nada será assim tão fácil. Nem sequer existe um consenso entre estas quatro figuras que representam as principais instituições europeias. O presidente da Comissão, luxemburguês e veterano, não conseguiu manter uma posição de neutralidade, advertindo que não há complacência com os “desertores”. Donald Tusk, polaco, não imagina a Europa sem as Ilhas, dramatizando ao máximo as consequências da sua eventual saída. Martin Schulz, alemão social-democrata, procurou sempre um equilíbrio, não se deixando levar por radicalismo contra ou a favor. Mark Rutte, holandês, representa um país que não quer deixar o Reino Unido ir-se-embora, mesmo em caso de "Brexit". O tom da declaração dos quatro presidentes será importante, num caso ou noutro. Mas a decisão politica não passará por ali.

Uma outra reunião de contornos mais inexplicáveis está igualmente agendada para o dia 25, em Berlim com os ministros dos Negócios Estrangeiros dos seis países fundadores, de acordo com informações recolhidas pela Reuters em Bruxelas. Para quê? Para tentar encontrar uma posição conjunta entre um grupo de países que hoje já pouco significa, numa Europa alargada e definida pela zona euro? Para disfarçar as dissidências entre Berlim e Paris sobre o futuro? Apenas para fazer qualquer coisa de novo?

2. Falta saber a agenda do eixo Paris-Berlim, para o qual muita gente olhará no dia 24 à espera de alguma coisa que faça sentido político. Haverá provavelmente uma declaração conjunta de Merkel e Hollande, não porque os dois tenham muita coisa para dizer, mas porque ambos querem mostrar que continuam aos comandos da Europa. O que se sabe é que, durante as conversações das últimas semanas, foi muito difícil encontrar uma posição comum. Como escreveu o Monde, nem sobre o euro se conseguiram entender. A fraqueza política de Hollande retira-lhe margem de manobra internamente. A aproximação das presidenciais obriga-o a olhar apenas para a melhor forma de tentar um segundo mandato em que já pouca gente acredita. O Presidente tem mantido o silêncio sobre o que fazer com Londres, o que irrita uma parte do seu partido, que vê, de forma ilusória, na saída dos britânicos uma oportunidade para reforçar a liderança francesa. Curiosamente, foi o mais liberal dos seus ministros, Emmanuel Macron, vindo da banca e não da ENA (Escola Nacional de Administração), quem acabou por verbalizar uma posição mais tipicamente francesa contra os ingleses. “Ou se está dentro ou se está fora (…) O Conselho Europeu deverá lançar um ultimato aos britânicos sobre as suas intenções e o Presidente da República será muito claro sobre isso”. Num manifesto exagero, acrescentou que o Reino Unido fora da Europa ficaria “tão importante como a ilha de Guernsey”. Uma bravata desnecessária mas reveladora das dificuldades da França em adaptar-se a uma Europa onde deixou há muito de mandar e ao novo equilíbrio de poder com a Alemanha. Numa coisa Macron teve razão no diagnóstico da relação franco-alemã: “Hoje estamos bloqueados por dois tabus: um tabu francês, que é a transferência de soberania, e um tabu alemão, que é o das transferências financeiras ou de solidariedade. Não será possível avançar sem acabar com eles”.

3. Há, no entanto, diferenças entre os Estados-membros relativamente ao que a Europa deve fazer em caso de "Brexit". Portugal ou a Holanda, a Polónia ou a Itália consideram que, seja qual for o resultado, é do interesse europeu continuar a cooperar com o Reino Unido em domínios fundamentais (da segurança à economia ou à diplomacia). O essencial será, portanto, uma declaração politica neste sentido no dia 24, que determine o ambiente em que devem decorrer as negociações necessariamente complexas e prolongadas que se seguirão. O primeiro-ministro português disse-o claramente no final da sua reunião de segunda-feira com Donald Tusk em Lisboa. Augusto Santos Silva também, numa entrevista ao PÚBLICO: é preciso manter o Reino Unido na arquitectura de segurança e defesa europeia; continuar a contar com a sua poderosa economia; evitar “voluntarismo integracionista” que não diz nada aos povos europeus. A Holanda diz a mesma coisa, acentuando apenas a linha “reformista” que compartilha com os britânicos. O holandês Hans van Baalen, membro do Partido Liberal, escrevia no site do Eurobserver: “O Reino Unido é um aliado crucial da Holanda na União e garante um equilíbrio contra o domínio franco-alemão. A Grã-Bretanha deve sair como amiga. Não podemos pura e simplesmente virar as costas a um membro permanente do Conselho de Segurança, com uma democracia robusta, uma sólida economia e um Exército forte”. Se a Holanda se preocupa com o peso da Alemanha, imagine-se o que pensarão países com menos importância económica e política. Merkel é a primeira a reconhecê-lo.

4. O outro receio, partilhado em muitas capitais, é o da fuga para a frente. O próprio Wolfgang Schauble alertava para esse risco. “Não podemos, como resposta a um 'Brexit', promover mais integração porque isso seria estúpido”, disse o ministro das Finanças alemão citado pela AFP. “Muitos perguntariam a justo título se nós, os responsáveis políticos, ainda não compreendemos a mensagem de povos cada vez mais eurocépticos”. O mesmo Schauble que já tinha dito aos britânicos, deixando alguma dúvida sobre a sua concordância com Merkel, para “não esperarem um tratamento favorável depois de um voto pela saída.” O ministro das Finanças é visto na Alemanha como um simpatizante da ideia de um “núcleo duro” restrito, incluindo os países do euro (todos, ou parte deles, ninguém sabe), uma velha convicção que já defendia no tempo de Helmut Kohl. “Não há um plano sobre o que a Alemanha vai fazer porque o Governo está dividido sobre uma estratégia pós-'Brexit'”, escreve o conservador Die Welt.

A 24 horas do referendo, os europeus ainda esperam que tudo acabe bem, como parecem indicar as últimas sondagens. Poderão respirar de alívio. Nenhum dos problemas que a Europa tem pela frente ficará resolvido. Pode ser que o calafrio britânico tenha ajudado a perceber o que a Europa ainda representa de bom.

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