O dia em que ninguém foi morto em Ciudad Juárez

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Por um dia, a polícia não teve de usar a fita amarela Gael Gonzalez/Reuters

Em Ciudad Juárez é notícia quando ninguém é morto. No domingo 6 de Fevereiro os jornalistas que acompanham a violência ligada aos cartéis da droga ficaram nas redacções e as ambulâncias não saíram do lugar.

Pela primeira vez este não houve tiros na cidade mais violenta do mundo fora dos teatros de guerra. Quase todos os dias são assassinadas seis pessoas em Ciudad Juárez, no Norte do México, mas no dia 6 de Fevereiro não houve nenhum homicídio. E a situação foi tão invulgar que os jornais não deixaram de dar a notícia.

“Primeiro dia do ano sem execuções!”, escreveu em título o “El Diário” de Ciudad Juárez. A violência ligada ao narcotráfico já causou cerca de 300 mortos nesta cidade junto à fronteira com o estado norte-americano do Texas desde o início do ano, e mais de 3100 em 2010. Sábado, 5 de Fevereiro, foi dos dias mais violentos, com a morte de 16 pessoas, mas no dia seguinte as agências funerárias, dos poucos negócios que não estão em crise na região, não tiveram de preparar funerais e quase não receberam telefonemas.

“Viver todos os dias assim deve ser uma sensação fantástica. Creio que até nos sentiríamos raros se nos transformássemos numa cidade normal”, disse ontem ao diário espanhol “El Mundo” o estudante de pintura Jacinto Lorazo. Para aquela população de 1,3 milhões de habitantes foi um dia especial.

“As sirenes da Cruz Vermelha não saíram do hospital, as ambulâncias não correram a toda a velocidade pelas avenidas, a polícia não teve que contar cartuchos, selar zonas com fita amarela ou revistar bolsos de cadáveres. Só se dedicou a organizar o trânsito, a atender a população e a cobrar multas”, adiantou o “El Mundo”. Por um dia, Juárez pareceu uma cidade normal.

Os jornalistas que acompanham os crimes naquela cidade ficaram nas redacções, pela primeira vez este ano e em muitos meses. O “El Diário” de Juárez não falava de mortes, mas sim do frio que causou problemas no fornecimento de água e electricidade.

“Por que é que não podemos estar sempre assim em Ciudad Juárez?”, perguntou ao jornalista do “El Mundo” Marcela, de 46 anos, dona de um pequeno restaurante na cidade. Ela recorda-se bem dos pacatos anos 90, quando naquela cidade havia emprego para quase todos, várias fábricas de roupa e electrodomésticos, e era ali que se produzia cerca de 5 por cento do PIB nacional. Desde então, quase metade dos restaurantes fecharam, 100 mil pessoas saíram dali.

A guerra do narcotráfico já causou cerca de 34 mil mortes desde que o Presidente Felipe Calderón chegou ao poder, em 2006. O combate entre cartéis da droga pela rota do tráfico para os EUA intensificou-se, apesar da mobilização de 50 mil militares para conter a violência, e as autoridades mexicanas têm apelado a um maior apoio norte-americano, porque é dos EUA que chegam as armas usadas pelos cartéis.

A calma em Juárez não se prolongou para além daquele domingo. No dia seguinte houve vários mortos, entre eles uma menina de oito anos, e neste sábado foram executadas 6 pessoas, incluindo o comissário da localidade de El Sauzal. O “El Diário” regressou àquela que já se transformou na sua rotina. “O crime ocorreu pelas 19h30, aproximadamente”. Ou “um jovem de 16 anos foi assassinado a tiro às 21h40, em Chaveña”.

Longe de Juárez, na Cidade do México, centenas de pessoas saíram à rua este sábado para pedir mais segurança. “Abaixo a violência, abaixo a insegurança, abaixo os políticos corruptos”, gritou um dos manifestantes citados pela AFP. Muitos vestiram-se de preto e desfilaram na capital no dia em que, em todo o país, segundo a polícia e o Ministério da Defesa, a violência causou pelo menos mais 30 mortes.

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