“[O Daesh] batia-nos quando tentávamos fugir, cá fora havia os bombardeamentos”

Bagdad declara formalmente a vitória sobre os jihadistas em Mossul. Dentro da cidade, descreve-se a vida "aterradora" dos últimos meses.

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O que resta da Cidade Velha de Mossul Thaier Al-Sudani/Reuters

Bairros reduzidos a pó e destroços, civis que mais parecem zombies, são assim as descrições dos jornalistas que estiveram nas últimas zonas de Mossul conquistadas ao Daesh por forças leais ao Governo de Bagdad. Um dia depois de ter aterrado na cidade em uniforme militar para felicitar os soldados, o primeiro-ministro iraquiano, Haider al-Abadi, esperou até ao início da noite para fazer a declaração de vitória formal.

Três anos de ocupação pelos jihadistas e nove meses de combates e bombardeamentos deixaram consequências que vão demorar a ser avaliadas. “O nível de destruição na Cidade Velha é quase total. Praticamente todos os edifícios estão total ou parcialmente reduzidos a escombros”, descreve Charles Stratford, da televisão Al-Jazira. Pior: “A situação humanitária é absolutamente desesperada.”

Rua a rua, passeio a passeio, chegam imagens de mulheres e crianças, sozinhas ou em grupo, corpos emaciados e olhar perdido. “De quem é esta criança?”, grita um soldado ao deparar-se com uma menina de uns três ambos, conta a BBC. Há mulheres sem forças para andar até quem distribui ajuda.

Fatima, mulher de uns 50 anos, não trava os soluços ao descrever quatro meses passados com a família “quase sem comida nem água” num sótão vigiado por combatentes do Daesh, "em orações permanentes” para não serem bombardeados. A conversa com Fatima decorre poucas horas depois de a família ter saído à rua e visto o céu pela primeira vez em muito tempo – ao perceberem que os soldados tinham chegado à sua rua, saíram do esconderijo; no caminho, um atirador furtivo atingiu Ahmad, irmão de Fatima, que foi levado de ambulância.

Milhares de pessoas morreram durante a batalha para recuperar a cidade, muitas às mãos dos radicais, muitas debaixo das bombas lançadas pelos Estados Unidos a pedido das tropas iraquianas. Muita gente descreve como se manteve com muito pouco nos últimos tempos e as ONG falam de inúmeros casos de desidratação e de doenças que ficaram por tratar por falta de medicamentos e cuidados de saúde.

“Vivemos como num túmulo”, diz ao Le Figaro Nafa Ayoub. Samira, de 20 anos, agarrada aos  dois filhos “assustadiços e cobertos de sujidade”, fala a tremer ao jornalista do New York Times: “O Estado Islâmico [nome que o Daesh adoptou quando declarou um “califado”, precisamente em Mossul] batia-nos sempre que tentávamos fugir. Cá fora, havia os bombardeamentos. Era aterrador.”

Confrontos “violentos” ainda decorreram durante o dia num espaço de cerca de 200 por 100 metros, onde se entrincheiraram os radicais que decidiram não se render e já não puderam ou quiseram fugir. Com eles, segundo o general Sami al-Aridhi, da unidade de elite de contraterrorismo, estavam 3000 a 4000 civis. Ainda nada se sabia destas pessoas quando Abadi fez a declaração de vitória formal, num "comunicado histórico", segundo a televisão estatal.

Dos dois milhões de habitantes, entre 750 e 900 mil fugiram e permanecem fora da cidade.

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