O Brexit, a balança europeia e os pequenos Estados

No próximo dia 23 de Junho, os britânicos vão decidir, pela segunda vez, se o Reino Unido fica ou não na União Europeia. Em 1974, o primeiro-ministro trabalhista, Harold Wilson, pôde contar com o eleitorado conservador para defender a posição britânica nas Comunidades Europeias. Em 2016, o primeiro-ministro conservador, James Cameron, vai ter mais dificuldade em mobilizar o eleitorado trabalhista que se opõe ao “Brexit” e não é possível excluir que os partidários da saída ganhem o referendum, mesmo sem representarem a maioria do eleitorado. 

O “Brexit” significa o princípio do fim da integração europeia. A estratégia de reconstrução da Europa Ocidental depois da II Guerra Mundial foi definida em 1942 por E. H. Carr, que considerou indispensável a integração europeia nos domínios da segurança e da economia para resolver a questão alemã e para responder ao problema dos pequenos Estados nacionais, sem condições para continuarem a ser independentes fora de um quadro europeu alargado.

A Grã-Bretanha foi crucial nesse processo, desde logo quando teve a iniciativa de formar a Aliança Atlântica e, mais tarde, quando aderiu às Comunidades Europeias. Desde essa data, a Grã-Bretanha esteve associada à França e à Alemanha em todas as decisões críticas da integração comunitária, desde o Mercado Único ao Tratado Constitucional, desde o alargamento a Portugal e a Espanha à integração das democracias post-comunistas da Europa Central e Oriental. A convergência estratégica entre as três principais potências europeias é a chave da integração regional e a retirada da Grã-Bretanha - a primeira vez que um Estado sai da União Europeia - é o mais forte de todos os sinais que podem acelerar a tendência inversa de desintegração revelada pelas crises do Euro e dos refugiados.

O “Brexit” prejudica os equilíbrios europeus. A unificação da Alemanha, no fim da Guerra Fria, impôs a necessidade de preservar a balança europeia no quadro da comunidade ocidental, nomeadamente com a presença da Grã-Bretanha no centro das decisões na União Europeia, uma linha seguida tanto por John Major, como por Tony Blair. A convergência com a França, cujo momento alto foi a cimeira de Saint Malo, é crucial para o desenvolvimento das políticas comuns nas relações externas, de defesa e segurança, os domínios onde as duas potências nucleares da União Europeia, ambos membros permanentes do Conselho de Segurança, têm uma vantagem considerável sobre a Alemanha. Obviamente, a retirada britânica abriria caminho à consolidação do momento unipolar alemão na política europeia. 

O Brexit compromete os equilíbrios transatlânticos. A Grã-Bretanha foi sempre crucial para garantir a articulação entre os Estados Unidos e a União Europeia : Winston Churchill defendia que “there should be a United States of Europe, and our island should be the link connecting this federation to the new world and able to hold the balance between the two”. Desde 1962, o primeiro-ministro Harold MacMillan reconheceu que só podia garantir esse equilíbrio se estivesse dentro das Comunidades Europeias e o Presidente John Kennedy defendeu essa posição,  necessária para garantir tanto a “special relationship” entre as duas potências anglo-saxónicas, como a congruência entre os dois pilares da comunidade das democracias ocidentais. O General de Gaulle vetou a primeira candidatura britânica - não queria um “Cavalo de Tróia” dos Estados Unidos dentro das Comunidades Europeias - mas a França acabou por reconhecer as virtudes da estratégia norte-americana como a melhor fórmula para garantir a continuidade da aliança atlântica. George Bush e, mais tarde, Barack Obama, tentaram ambos dispensar a “special relationship” e eleger como parceiro privilegiado a Alemanha: o “11 de Setembro” mostrou os limites dessa estratégia alternativa e o novo “arco de crises” que cerca a Europa desde a Ucrânia à Síria e à Líbia confirma a necessidade de fortalecer a segurança europeia, que não pode dispensar a Grã-Bretanha.

Para Portugal e para os pequenos Estados europeus que querem preservar a sua independência nacional no quadro da União Europeia, a tendência de fragmentação e a crise da balança europeia são um pesadelo: nenhum Estado menor quer ser forçado a ter de escolher entre a submissão a um novo Eixo Paris-Berlim, um alinhamento excessivo com a Alemanha e a uma coligação com a França para contrabalançar a principal potência europeia.

Para Portugal, pode haver uma consequência negativa adicional do “Brexit”, se se confirmasse uma votação maioritária na Escócia contra a saída da União Europeia, que abriria caminho à sua saída do Reino Unido. A independência da Escócia significaria a sua candidatura à União Europeia e, nesse cenário, seria ainda mais dificil conter as forças secessionistas na Catalunha e preservar a unidade da Espanha, essencial para o mais pequeno dos dois Estados da Península ibérica.

O pior não é sempre o mais provável e, sobretudo, não é inevitável à partida. Mas o  que está em causa para Portugal no referendum britânico vale bem uma missa.

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