O atirador de Munique tinha obsessão por tiroteios

O alemão Ali David Sonboly tentou aliciar alguns jovens a encontrarem-se com ele no restaurante onde deu início ao ataque.

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Este foi o terceiro ataque em espaços públicos na Europa no espaço de uma semana Christof Stache/AFP

Ali David Sonboly, de 18 anos, seguiu bem de perto o ataque lançado na segunda-feira por um adolescente, que pegou numa faca e num machado e feriu várias das pessoas que seguiam num comboio, na Baviera. Era obcecado por tiroteios em massa, incluindo o perpetrado pelo norueguês Anders Behring Breivik, que há precisamente cinco anos matou 77 pessoas. Tinha no seu quarto revistas, jornais e livros sobre crimes violentos cometidos por jovens. E foram sobretudo jovens as vítimas da sua fúria, na sexta-feira à noite, em Munique. Dos nove mortos que resultaram dos seus disparos, sete eram adolescentes.

A polícia refere que ainda não é possível determinar se Ali David Sonboly teve a intenção de matar especificamente jovens. Mas terá aliciado alguns a encontrarem-se com ele, oferecendo uma refeição grátis no McDonald’s – “mas não muito cara”, escreveu-lhes através da conta falsa que criou no Facebook, em que se fez passar por rapariga, segundo o inspector da polícia Robert Heimberger.

Ali David Sonboly tinha dupla nacionalidade: alemã e iraniana. Nasceu em Munique e morava com o pai, motorista de táxi, e a mãe num apartamento situado em Maxvorstadt, na zona Norte da cidade e a poucos quilómetros de distância do centro histórico da capital bávara. Os pais vieram para a Alemanha no final dos anos 1990 como requerentes de asilo.

Um dos vizinhos descreve-o como envergonhado e preguiçoso. “Tinha um trabalho de distribuir um jornal gratuito, o Münchener Wochenblatt, mas muitas vezes eu via-o a atirá-los para o caixote de lixo em vez de os distribuir”, comentou ao Guardian o proprietário de um café por baixo do apartamento onde ele vivia.

Os colegas da escola que frequentava a tempo inteiro dizem que não era um rapaz popular, era “tímido e gorducho”. Andava quase sempre sozinho, no máximo com uma ou duas pessoas, e foi até alvo de bullying.

Foi sozinho, acredita a polícia, que planeou o ataque. Primeiro, cerca das 16h00 locais (15h00 em Portugal), abriu fogo em frente ao restaurante de fast food. Depois, seguiu em direcção ao centro comercial Olympia. As forças de segurança, que no início pensaram haver três atiradores, começaram então a afluir em massa ao local.

Um vídeo que a polícia já confirmou tratar-se de Ali David mostra-o vestido de negro, armado, na cobertura de um parque de estacionamento, onde trocou palavras com alguém que estaria numa varanda próxima. Depois de lhe dizerem que era estrangeiro, responde: "Sou alemão, nasci cá, num bairro Hartz IV", ou seja, economicamente desfavorecido. “Estive em tratamento hospitalar”. Mais tarde, o procurador de Munique Thomas Steinkraus-Koch adiantou que tinha sofrido de “um tipo de depressão”, mas não confirmou que recebera tratamento psiquiátrico como chegou a ser dito pelas autoridades.

O seu corpo foi encontrado numa rua a cerca de um quilómetro do centro comercial; suicidou-se depois de ser atingido pela polícia, de acordo com a AFP. Para além de uma pistola Glock de 9 mm, que não estava registada em seu nome, trazia uma mochila com 300 munições. A polícia está ainda a investigar como é que Ali David teve acesso àquele arsenal, num país onde a lei de controlo de armas é apertada.

Pelo menos 16 pessoas tiveram de ser assistidas no hospital, incluindo várias crianças, e três delas estão em estado crítico. Entre as vítimas mortais, três eram cidadãos do Kosovo, três tinham nacionalidade turca e uma grega, segundo indicaram as autoridades dos respectivos países. 

Acto sem motivação política

O ministro do Interior, Thomas de Maizière, adianta que Ali David não tinha qualquer cadastro policial. Era fã de jogos de vídeo violentos e, sendo muçulmano de origem xiita, tinha-se convertido recentemente ao cristianismo. “Partimos do princípio de que se trata de um acto clássico de um colérico” tomado por uma crise de loucura mortífera, “sem motivação política”, adiantou o ministro.

O chefe da polícia de Munique, Hubertus Andrä, também confirmou que não foi descoberta qualquer relação com o jihadismo ou o Estado Islâmico. Depois de buscas na casa da família, os investigadores concluíram que há “uma ligação evidente” com o norueguês de extrema-direita Anders Behring Breivik. “Encontrámos elementos que mostram que ele se preocupava com questões ligadas a crimes de ódio”, nomeadamente livros e artigos de jornais, cita a AFP.

O Guardian refere que entre os livros encontrados está um intitulado “Why Kids Kill: Inside the Minds of School Shooters” [Porque matam os miúdos: Dentro da mente de atiradores em escolas]. Nele são analisados os factores que levam a que jovens se transformem em assassinos em massa; o sentimento de isolamento será um deles, refere um especialista ouvido pelo jornal britânico.

Esta foi a segunda vez em cinco dias que a Alemanha assistiu a um ataque em espaço público. A chanceler alemã Angela Merkel declarou depois de uma reunião com o Conselho de Defesa Nacional: “Estamos num luto profundo... Partilhamos a vossa dor”.

Numa conversa telefónica com o Presidente francês, François Hollande, os dois líderes comprometeram-se a “cooperar mais estreitamente para enfrentar aqueles que procuram criar um clima de terror”, segundo o Eliseu. Hollande manifestou o “apoio e solidariedade da França”, que a 14 de Julho foi alvo de mais um ataque terrorista em Nice, que fez 84 mortos. Referindo-se ao incidente de Munique também como um atentado terrorista, o Presidente denunciou o “novo acto ignóbil que visa assustar a Alemanha depois dos outros países europeus”.

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