O apartheid acabou há 20 anos, mas os Nascidos Livres querem é saber do futuro

A guerra pela liberdade é o grande capital político do ANC. Mas os mais novos, 40% da população, estão pouco interessados no passado e na História.

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Nkululeko Simelane nasceu no dia em que se realizaram as primeiras eleições multi-raciais da África do Sul Siphiwe Sibeko/Reuters

Quando Nkululeko Simelane nasceu, no dia 27 de Abril de 1994, os pais nem pensaram duas vezes no nome a dar à filha. O seu aniversário coincide com as primeiras eleições multirraciais, o dia em que terminaram os três séculos de domínio branco e os 46 anos de opressão da maioria negra sob o regime do apartheid. Em zulu, Nkululeko significa “Liberdade”.

Vinte anos depois, os líderes da já não muito jovem democracia sul-africana vão assinalar neste domingo o Dia da Liberdade com pompa e cerimónia, e com discursos sobre os sacrifícios e as realizações do Congresso Nacional Africano (ANC) na sua longa luta pela libertação. O nome de Nelson Mandela — o herói anti-apartheid que morreu em Dezembro do ano passado aos 95 anos — será muito repetido, assim como o de outros guerreiros da liberdade mortos e vivos.

Nkululeko celebrará os 20 anos com um grupo de amigos num dos muitos bairros boémios, multiculturais e multirraciais de Joanesburgo que apareceram depois do fim do domínio branco. Ao contrário dos pais e dos avós, a sua África do Sul não é a do preto e branco, oprimido e opressor, desfavorecido e poderoso. “Ainda há algum racismo, mas não me afecta. Em termos gerais, não sinto essa questão do apartheid”, diz no recinto da Universidade de Witwatersrand, onde está no segundo ano de engenharia. Para ela, a África do Sul é uma terra de oportunidades e potencial, onde os desafios são mais económicos do que raciais. É a visão que prevalece entre os Nascidos Livres (“Born free”), o termo usado para definir a primeira geração sem memória do apartheid.

“Preocupo-me com a História no sentido de saber de onde venho, mas ela nada tem que ver com as políticas actuais e com aquilo que [os políticos] vão fazer com o nosso futuro”, diz Nkululeko Simelane.

Para o ANC, um movimento de 102 anos cuja razão de existir era derrubar o poder branco, os Nascidos Livres — que são 20 milhões, 40% da população — estão a tornar-se um problema. À medida que se aproximam as eleições de 7 de Maio, o partido sublinha — com alguma razão — que com o fim do apartheid o país se tornou uma história de sucesso no capítulo do crescimento económico.

Porém, os actuais líderes, muitos deles homens que passaram longos períodos na prisão ou no exílio, permanecem firmemente agarrados ao seu glorioso mas distante passado e à luta pela libertação. Num discurso que proferiu na Páscoa, o Presidente Jacob Zuma, de 72 anos — esteve dez anos preso com Mandela em Robben Island e é agora uma figura mergulhada em escândalos de corrupção —, usou a palavra apartheid sete vezes. Em Novembro do ano passado, num comício em Pretória, criticou a expressão Nascidos Livres e negou que os jovens se estejam a afastar do activismo político. “Os jovens conhecem a luta”, disse Zuma.

A realidade, porém, é que 38 anos depois do levantamento de dezenas de milhares de estudantes negros  — muitos perderam a vida — contra o apartheid, a maior parte dos jovens tem outras preocupações. Além das distracções inevitáveis do século XXI, a sua principal preocupação é o trabalho. Porque 40% dos jovens sul-africanos estão desempregados, o que explica que três em cada grupo de quatro considere o desemprego o “maior problema” do país, segundo uma sondagem da Pondering Panda, uma empresa da Cidade do Cabo.

Mais preocupante para o ANC é o resultado de um estudo do Instituto para a Justiça e Reconciliação — só 35% dos jovens considera que o Governo está a fazer o que é preciso para criar postos de trabalho. Em 2012, o Barómetro para a Reconciliação (outro centro de estudo de opinião) concluiu que só 9% dos jovens discordavam da frase “A África do Sul tem de esquecer o apartheid e seguir em frente”.

Um sentimento que choca com a obsessão do ANC com a História.

Estima-se que na África do Sul existam 1,9 milhões de pessoas entre os 18 e os 19 anos. Mas só 646 mil se recensearam para votar no dia 7 de Maio. A taxa de recenseamento para o grupo entre os 20 e os 23 anos é igualmente baixa. “Esta não participação mostra o limite da narrativa da libertação”, diz  Vishwas Sargat, professor de ciência política em Witwatersrand. “As pessoas estão a tornar-se mais cínicas porque notam a disparidade entre a evocação de um passado glorioso e o declínio e a degeneração a que assistem.”

Claro que nem todos os jovens se afastam da política. Nesta campanha eleitoral assistiu-se à ascensão do radical de esquerda Julius Malema, antigo líder juvenil do ANC (foi expulso) que dirige agora os Combatentes da Liberdade Económica (EFF) — diz ser um revolucionário inspirado pelo venezuelano Hugo Chávez. “O ANC fala-nos no passado. Isso não interessa”, diz Sabelo Fumba, de 20 anos e membro dos EFF, condenando a desigualdade que persiste entre brancos e negros (estes chegam a ganhar seis vezes menos) e falando numa nova forma de subjugação. "Hoje posso estudar o que quiser. Posso vestir o que quiser. Posso ir onde me apetecer. Posso dizer que, politicamente, sou livre. Mas do ponto de vista económico não sou livre.”

As sondagens mais recentes dizem que o EFF só receberá 4% dos votos, enquanto o ANC tem uma previsão de voto de 65%, uma mudança pouco significativa em relação a 2009 — o que significa um segundo mandato de cinco anos para Juma.

Um resultado elevado para o qual os jovens também vão contribuir. Muitos dos que se recensearam, e ainda que se mostrem desiludidos com a gestão do ANC sob o comando de um Zuma rodeado de escândalos, estão cativos da fidelidade dos seus pais e avós ao partido.

“Ainda não decidi como vou votar”, diz Nkululeko Simelane com um sorriso envergonhado. “Provavelmente, será o meu pai a decidir por mim.”

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