O ANC está dividido, e Zuma fica enfraquecido após remodelação do governo

Presidente da África do Sul demitiu o ministro das Finanças, uma decisão classificada pelo seu vice como "totalmente inaceitável".

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Os rumores de que Zuma iria substituir Gordhan agitaram os mercados Sumaya Hisham/Reuters

Quando o Presidente da África do Sul, Jacob Zuma, demitiu o ministro das Finanças, sexta-feira à meia-noite, os mercados do país foram abalados, minando a sua autoridade e ameaçando dividir o Congresso Nacional Africano (ANC), no poder desde o fim do apartheid.

O vice-presidente, Cyril Ramaphosa, que é um dos principais candidatos a substituir Zuma como presidente do ANC, descreveu a decisão de remover o respeitado ministro das Finanças, Pravin Gordhan, como "totalmente inaceitável".

Os comentários de Ramaphosa – que costuma apoiar Zuma publicamente – foram um sinal da divisão crescente no ANC, que provavelmente se irá agravar até o partido eleger um novo líder, em Dezembro.

Contudo, a remodelação de Zuma teve o apoio de secções poderosas do partido hostis aos interesses bancários que entendem estar representados por Gordham.

A Liga das Mulheres e a influente ala jovem do ANC saudaram a remodelação e falaram em expectativas de redistribuição de terras a agricultores negros pobres, educação gratuita e mais envolvimento dos negros nas instituições financeiras do Estado.

"Ministros mais jovens vão trazer mais transformações", disse Collen Maine, dirigente da juventude partidária.

Ramaphosa afirmou que Zuma demitiu Gordham com base num relatório de espionagem "falso" que acusava o ministro e o seu vice-ministro, Mcebisi Jonas, de conspirarem com bancos em Londres para prejudicar a economia sul-africana. Jonas também foi demitido por Zuma.

"Disse ao Presidente que não estava de acordo com ele nesta decisão", afirmou Ramaphosa.

Os partidos da oposição e fontes do ANC dizem que Zuma demitiu Gordhan porque este estava a bloquear o acesso a fundos estatais por parte de aliados do Presidente.

Zuma e os seus seguidores foram acusados pelos seus opositores e por alguns membros importantes do ANC de corrupção e de terem ligações aos Gupta, uma família indiana abastada. No ano passado, um relatório de um observador afirmou que os Gupta influenciaram Zuma na nomeação de membros do governo. Os Gupta e Zuma negam estas alegações.

Gordhan disse que todos "deviam ter medo" quando as decisões do governo são tomadas fora das estruturas formais.

Ramaphosa e Nkosazana Dlamini-Zuma, a antiga presidente da União Africana, são considerados os favoritos para substituir Zuma. Dlamini-Zuma é a ex-mulher de Zuma. Segundo os analistas, prevê-se que ela tenha o apoio do Presidente, enquanto outra facção irá apoiar Ramaphosa.

O secretário-geral do ANC, o general Gwede Manatashe, também criticou abertamente Zuma, o que os analistas acreditam ser um sinal de que vai apoiar Ramaphosa.

"Estou muito desconfortável porque as áreas em que os ministros não têm bons resultados não foram afectadas. A maior parte dos ministros que foram afastados são ministros com bons resultados", declarou Manatashe à Talk Radio 702.

"Senti que esta lista foi desenvolvida noutro lugar e que ela nos foi apresentada para a legitimar", acrescentou Manatashe, numa declaração que vai alimentar a especulação sobre a possibilidade de Zuma estar a ser influenciado por pessoas exteriores ao governo.

Os rumores de que Zuma iria substituir Gordhan agitaram os mercados ao longo de toda a semana e os membros do ANC incitaram o Presidente a reconsiderar a decisão.

O rand caiu 5% desde o seu pico na quinta-feira antes da remodelação e prevê-se que tenha o maior declínio semanal desde Dezembro de 2015. As acções dos bancos caíram mais de 5% na sexta-feira e as taxas de rentabilidade das obrigações subiram a pique.

"Risco enrome"

A decisão de Zuma de fazer mudanças no seu governo mergulhou o ANC na sua crise mais profunda desde que chegou ao poder, em 1994, liderado por Nelson Mandela. Os partidos da oposição exigiram a demissão de Zuma, mas a maior parte dos analistas previu que Zuma iria sobreviver à crise depois de ter escolhido o ministro da Administração Interna, Malusi Gigaba, para substituir Gordhan – uma escolha mais prudente do que os investigadores temiam.

No final de quinta-feira, Zuma reuniu-se com os membros principais do ANC, conhecidos como "O Top 6", para os informar da remodelação do governo, mas ignorou o procedimento habitual ao decidir não os consultar.

"Jacob Zuma correu um enorme risco político, possivelmente o maior risco político da sua carreira até agora", disse Daniel Silke, director da Political Futures Consultancy. "Isto vai gerar mais tensões no ANC, que já está fragmentado. Zuma vai sobreviver, mas num ANC incapaz de concretizar seja o que for."

Até agora, a corrida para substituir Zuma tem sido discreta, mas é provável que a polémica remodelação vá dividir o ANC em duas facções – uma que apoia Zuma e outra que apoia Ramaphosa, um antigo líder sindical que se tornou num magnata de negócios.

"Estas tensões vão entrar no debate sobre a sucessão no ANC e prevemos que a acção do Presidente tenha reforçado o apoio ao sr. Ramaphosa", disse Simon Freemantle, economista político sénior no Standard Bank.

Líderes políticos e empresariais condenaram Zuma e previram que a taxa de crédito soberano seria reduzida para "lixo" nos próximos meses.

O Partido Comunista Sul-africano, aliado do ANC, declarou que a demissão de Gordhan – que era respeitado pelos investidores a nível local e no estrangeiro como um defensor da responsabilidade fiscal – arriscava-se a espoletar um saque aos cofres do Estado.

No ano passado, o Tribunal Constitucional ordenou a Zuma que devolvesse 7,8 milhões de rand (cerca de 560 mil euros), correspondentes a gastos indevidos do Estado na sua casa de campo.

Vários empresários disseram em comunicado que a demissão de Gordhan teria consequências graves para a economia e que representava um revés no trabalho que tinha sido desenvolvido para evitar uma diminuição do rating de crédito do país.

Os novos ministros e vice-ministros vão tomar posse sexta-feira, às 16h00, segundo o gabinete do Presidente Jacob Zuma.

(Reportagem adicional de Olivia Kumwenda-Mtambo, Nqobile Dludla, TJ Strydom, Olwethu Boso e Ed Stoddard; texto de Joe Brock; edição de Ralph Boulton)

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