O adeus melancólico de Dilma Rousseff

A primeira mulher eleita Presidente no Brasil espera que o Senado vote o seu impeachment. O desfecho é previsível.

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Dilma Rousseff caminhou pelo jardim do Palácio da Alvorada REUTERS/Ueslei Marcelino

A rotina diária de Dilma Rousseff pedalando nas ruas de Brasília de manhã bem cedo foi seguida com muita atenção pela imprensa brasileira nos últimos meses. A imagem da Presidente brasileira de capacete nas ruas ainda vazias da capital tornou-se um termómetro do seu estado de espírito e sangue frio, sobretudo em momentos críticos. Cumprir a rotina matinal era uma forma de manter uma aparência de normalidade. Mas esta quarta-feira, dia de uma votação histórica no Senado brasileiro que resultaria no previsível afastamento da primeira mulher eleita Presidente no país, Dilma quebrou a rotina e preferiu um passeio pelos jardins da sua residência oficial, o Palácio da Alvorada.

Enquanto os senadores alternavam a sua vez nos microfones do plenário para se pronunciarem sobre o processo de impeachment, Dilma reuniu-se com os ministros mais próximos. Com a agenda vazia, gravou uma comunicação ao país, para ser difundida depois da votação do Senado. Faltavam ainda muitas horas para o desfecho da sessão no Senado, mas ninguém, nem mesmo a Presidente, esperava outro resultado que não a sua derrota.

A queda de Dilma tornou-se inevitável desde que a Câmara dos Deputados aprovou a instauração de um processo de impeachment a 17 de Abril, com uma ampla maioria de 367 votos – mais 25 do que o mínimo necessário. Ao contrário desse dia, que selou o destino do segundo Governo de Dilma, inaugurado em Janeiro de 2015, o dia de quarta-feira não foi de expectativa. Nos últimos dias, a imprensa brasileira antecipou as intenções de voto dos senadores, mostrando que pelo menos 50 deles eram a favor do impeachment. Em Brasília voltou a ser erguido um longo muro frente ao Congresso para separar manifestantes a favor e contra o impeachment e a segurança foi reforçada, mas o ambiente manteve-se calmo, sem registo de grandes protestos ou multidões, enquanto os senadores debatiam o futuro do país. Dois dos maiores grupos por trás das mobilizações pró-impeachment, o Vem Pra Rua e o Movimento Brasil Livre, nem sequer convocaram manifestações para a data da votação.

O tom, entre os defensores de Dilma e críticos do impeachment, era de resignação ou conformismo. A intensa mobilização que cerrou fileiras em torno da Presidente nas vésperas da votação na Câmara dos Deputados, empolgada por um combativo Lula da Silva, esmoreceu – de resto, como Lula, que terá ficado rouco e aparentemente desistiu de aparecer em público.

O fim de Dilma é melancólico. A Presidente nem esperou pela votação no Senado para limpar o seu gabinete no Palácio do Planalto. Há dois dias, a Reuters divulgou imagens da sua secretária, praticamente vazia. Com a votação no Senado, que estava prevista para a madrugada de quinta-feira, depois dos quase 70 senadores inscritos para discursarem terem falado, Dilma será oficialmente notificada do resultado e afastada do cargo por um período máximo de seis meses, enquanto o Senado prepara o seu julgamento.

O plano inicial da Presidente era descer a simbólica rampa do Palácio do Planalto acompanhada dos seus ministros, mas terá desistido depois de ter sido aconselhada pelo próprio Lula de que isso daria uma imagem de capitulação. O seu afastamento, até à conclusão do julgamento no Senado, não significa a perda do cargo, até porque se for absolvida poderá regressar – pelo menos, em tese. Em vez de descer a rampa, Dilma sairá pela porta da frente do palácio presidencial, irá cumprimentar os militantes do PT e de movimentos sociais que estarão concentrados no local e seguirá no seu carro oficial para o Palácio da Alvorada. Ela poderá manter-se na residência oficial da Presidência e contar com uma equipa de assessores.

Ainda antes do desfecho da votação no Senado, Dilma sofreu uma derrota, quando o Supremo Tribunal Federal negou o pedido da sua defesa para anular o processo de impeachment, apresentado na terça-feira. O Advogado-Geral da União (procurador que representa o Governo na justiça) José Eduardo Cardozo alegou que o processo de impeachment devia ser anulado por ter sido conduzido por Eduardo Cunha, o presidente da Câmara dos Deputados que foi afastado do cargo na semana passada pelo Supremo. A defesa de Dilma invocou essa decisão do Supremo, que concluiu que Cunha tinha usado o seu cargo para fins ilícitos e em benefício próprio, como base da sua argumentação de que o parlamentar contaminou o processo de impeachment. Mas Teori Zavascki, o juiz que analisou o pedido, considerou que essa era uma interpretação subjectiva e notou que a aprovação do impeachment na Câmara dos Deputados não tinha sido um acto solitário de Cunha, e, sim, uma autorização votada por 367 deputados em plenário.

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