Nos primeiros 12 dias na Casa Branca, Obama assinou mais directivas do que Trump

No total, Barack Obama assinou 19 decretos e Donald Trump 18. Se não é pela quantidade de decisões, o que têm de diferente os 12 primeiros dias dos dois últimos Presidentes dos EUA?

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LUSA/SHAWN THEW

Os primeiros dias de Donald Trump como Presidente dos Estados Unidos têm sido férteis em informação e polémica, surpreendendo a forma rápida com que passou das palavras à acção. A cada dia que passa o republicano assina mais uma ordem que motiva reacções um pouco por todo o mundo e colocam os EUA quase em polvorosa. No entanto, a origem de tanto rebuliço não está tanto na quantidade de ordens que assina, mas talvez no conteúdo das mesmas.

Isto porque, e como analisa o Quartz, comparando com a chegada de Barack Obama à Casa Branca, Trump assinou menos decretos, englobando-se ordens e memorandos executivos, do que o seu antecessor. Em concreto, nos primeiros 12 dias de Presidência, Trump assinou 18 documentos enquanto, em igual período no ano de 2009, Obama avançou com 19. Apesar da ligeira vantagem do democrata, a sensação que fica dos primeiros 12 dias de Donald Trump como Presidente é um bombardeamento de informação e decisões a toda a hora.

Apesar de se juntar nesta contabilidade as figuras legislativas da ordem e do memorando executivo, estas são acções diferentes. Uma diferença fundamental é o facto de as ordens executivas serem, assim que assinadas, compiladas e publicadas automaticamente no Federal Register, o equivalente ao nosso Diário da República. Os memorandos também têm de ser publicadas no jornal para se tornarem lei, mas o processo não é realizado automaticamente – a Administração pode decidir não o publicar, permanecendo como directrizes, o que, a acontecer, diminui a probabilidade de a decisão vir a representar uma acção efectiva. A partir deste momento, quer os órgãos governamentais quer as agências ficam legalmente obrigadas a respeitar as decisões.

Ou seja, no cerne desta questão está o facto de, em relação às ordens executivas, o Presidente ter de se apoiar na sua autoridade garantida pela Constituição americana para as colocar em prática. Assim, as decisões tomadas através deste mecanismo revestem-se de novas acções como a criação de sanções ou comités, lidando, por isso, com assuntos políticos impactantes e muitas vezes polémicos. Por outro lado, os memorandos são utilizados mais para decisões executivas de rotina, tais como gerir as acções e políticas dos vários departamentos e agências que se encontram sob o ramo executivo do Governo dos EUA. Isto é, costuma ser aplicado para delegar tarefas, decretar determinadas acções a serem realizadas pelas agências governamentais ou para iniciar um processo regulatório.

Dito isto, e contabilizando-se separadamente o número de decisões deste género tomadas pelos dois últimos Presidentes, Trump assinou sete ordens executivas e 11 memorandos e Obama contabilizou nove ordens e dez memorandos.

Recuando até aos tempos de Bill Clinton, a vantagem de Obama e Trump é mais significativa. Nos primeiros 12 dias como Presidente, Clinton assinou nove directivas (duas ordens e sete memorandos) e George W. Bush quatro (duas ordens e dois memorandos).

Uma decisão é comum a todos os últimos quatro Presidentes norte-americanos: a assinatura, logo nos primeiros dias, de um memorando ou a rejeitar, no caso dos democratas, ou a restabelecer, no caso dos republicanos, a chamada “Mexico City Policy”, que é uma regra estabelecida na Administração Reagan que retém os fundos estatais destinados a organizações, que trabalham para lá das fronteiras americanas, que facilitam e agilizam a realização de abortos. Esta foi uma das primeiras decisões de Trump assim que tomou posse no passado dia 20 de Janeiro.

Como fica demonstrado, não foi a quantidade de decisões tomadas por Trump que provocou tal tumulto nos EUA e um pouco por todo o mundo, apesar de ser essa a sensação que fica. O conteúdo pode sim explicar alguma coisa. Das mais badaladas decisões do novo Presidente foram a ordem para se iniciar a construção do muro na fronteira entre os EUA e o México, as restrições à entrada de refugiados e cidadãos de sete países de maioria islâmica, o início do fim do chamado “Obamacare” e a aprovação de dois polémicos projectos de pipelines petrolíferos, revertendo uma decisão do seu antecessor.

Já no caso de Obama, as decisões mais mediáticas, nos primeiros 12 dias na Sala Oval, foi o encerramento das prisões da CIA no estrangeiro e o encerramento, no espaço de um ano, da prisão de Guantánamo, uma das mais fortes promessas eleitorais do democrata, mas que nunca se concretizou. Assim, no campeonato do mediatismo e polémica, Donald Trump vence.

Trump igual a Obama?

Outro dos factores analisados em relação às duas decisões mais controversas de Trump, o muro e as restrições à imigração, foi o facto de se comparar com decisões semelhantes de Administrações anteriores. Na fronteira com o México, existe já uma barreira, ou vedação, que se estende por mais de 1100 quilómetros, o que perfaz um terço da fronteira que separa os dois países. A sua construção foi iniciada por George H. W. Bush, em 1991, desenvolvida por Bill Clinton e, nos anos de Obama, foram realizadas algumas reparações. O que o actual Presidente dos EUA pretende agora é alargar a construção a todos os 3141 quilómetros da fronteira e reforçar a existente.

No caso das restrições à entrada dos cidadãos de sete países muçulmanos, Trump justificou a ordem dizendo que esta é uma política “semelhante ao que o Presidente Obama realizou em 2011 quando baniu os vistos de refugiados do Iraque por seis meses”. Além disso, os países escolhidos por Trump para basear a sua decisão, foram os mesmos que o antecessor identificou como potenciais berços de terroristas. Partindo destas comparações, a comunicação social norte-americana realizou extensos fact-checks para se perceber as diferenças entre as duas medidas.

Em primeiro lugar, o que Trump considera ter sido um impedimento na concessão de vistos a cidadãos iraquianos em 2011, não o foi totalmente. Na verdade, a decisão surgiu na sequência da detenção de dois iraquianos (os únicos alguma vez ligados a um possível atentado nos EUA), no mesmo ano, no Kentucky, por suspeitas de planearam um ataque terrorista. Mais tarde, as autoridades descobriram que as impressões digitais de um dos suspeito tinham sido encontradas numa bomba no Iraque. Face a esta situação, Obama identificou uma falha grave no sistema de escrutínio aos refugiados que chegavam a território americano. Desta maneira, foram revistos os processos dos quase 57 mil refugiados iraquianos nos Estados Unidos iniciando-se, ao mesmo tempo, e durante seis meses, um apertado e rigoroso escrutínio aos novos refugiados iraquianos. Este processo dificultou e muito a vida destas pessoas, o que fez com que, durante esse período, o número de refugiados provenientes do Iraque a chegar a solo americano diminuísse drasticamente.

Em segundo lugar, Obama identificou, de facto, os mesmos sete países (Iraque, Irão, Líbia, Somália, Sudão, Síria e Iémen) como potenciais criadores de perigo para os EUA. Mas não de forma a, pura e simplesmente, banir a entrada dos seus cidadãos no país. Apenas a dificultou, através do chamado "Visa Waiver Program" (Programa de Isenção de Visto), que permitia a nacionais de certos países entrarem nos EUA sem necessitarem de visto. Ora, depois do ataque em San Bernardino, em 2015, este programa foi alterado no que se refere aos sete países citados. Apesar de os cidadãos destes territórios nunca terem estado abrangidos pelo mecanismo do Departamento de Estado, pessoas com dupla nacionalidade (por exemplo um franco-sírio), podiam entrar nos EUA com o passaporte do país abrangido pelo programa (no caso do exemplo referido, com o passaporte francês). Isso terminou com a reforma imposta pela Administração Obama. Outro dos aspectos alterados foi o facto de as pessoas que tinham visitado alguns dos sete países muçulmanos identificados, num dado período antes de chegarem aos EUA, deixavam de estar abrangidos pelo "Visa Waiver Program".

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