Nos Estados Unidos há eleições e no fim ganha o Partido Republicano

Candidatos do Partido Democrata encurtam distâncias em quatro eleições especiais para a Câmara dos Representantes, mas ninguém arrancou uma surpresa que poderia complicar ainda mais a vida a Donald Trump.

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Apoiantes do candidato do Partido Democrata Jon Ossoff, derrotado terça-feira Chris Aluka Berry/Reuters

Ainda é muito cedo para tirar conclusões, mas a seguir a uma frase como esta é quase inevitável surgir uma: o resultado de duas eleições nos Estados Unidos, esta semana, mostra que o Partido Republicano ainda não foi vergado pelos escândalos do Presidente Donald Trump e que o Partido Democrata ainda não encontrou um caminho para mostrar ao resto do mundo que a eleição de Novembro do ano passado foi uma anomalia.

Trocando por miúdos: na terça-feira, os eleitores de um dos sete distritos da Carolina do Sul e de um dos 14 distritos da Georgia deram a vitória aos candidatos do Partido Republicano nas suas corridas eleitorais, contra candidatos do Partido Democrata.

Em causa estavam dois lugares na Câmara dos Representantes dos Estados Unidos que já tinham sido conquistados por republicanos em Novembro, mas que tiveram de ser disputados outra vez, fora da época normal de eleições – os congressistas do Partido Republicano que ganharam os lugares em Novembro do ano passado foram chamados para a Administração Trump e, por isso, aqueles distritos da Carolina do Sul e da Georgia (e outros dois, do Kansas e do Montana, que votaram em Abril e Maio) tiveram de ir novamente a votos.

No início deste ciclo de eleições especiais para a Câmara dos Representantes (Califórnia, Kansas, Montana, Georgia e Carolina do Sul), o Partido Republicano era o grande favorito a manter quatro lugares, já que todos os seus candidatos, excepto o da Califórnia, venceram em Novembro do ano passado.

Eram estes os desafios para cada um dos dois grandes partidos: para o Partido Republicano era perigoso perder um que fosse desses quatro, já que isso poderia servir como uma injecção de adrenalina para outros políticos do Partido Democrata que estejam com vontade de concorrer às eleições para as duas câmaras do Congresso, em Novembro de 2018; para o Partido Democrata, era importante ganhar um que fosse desses quatro, para mostrar à sua base, e aos seus dadores, que uma vitória num distrito tradicionalmente republicano poderia ser o prenúncio de uma onda de conquistas tão grande no próximo ano que a Câmara dos Representantes cairia novamente nas mãos dos democratas.

À luz destes dois objectivos, o Partido Republicano saiu claramente vencedor, mas também neste caso há sempre um "mas". No Kansas e no Montana, os candidatos republicanos venceram facilmente, como se esperava: no 4.º distrito do Kansas, Ron Estes bateu o democrata James Thompson (52,5% contra 45,7%); e no único distrito do Montana, Greg Gianforte não deu hipóteses a Rob Quist (49,9% contra 43,8%).

Apesar do sonho de uma reviravolta nos quatros distritos em causa, o Partido Democrata tinha noção de que seria quase impossível destronar o Partido Republicano com estrondo – mesmo contando com a baixa popularidade do Presidente, e com a eterna esperança num levantamento interno contra Donald Trump, os quatro lugares que foram a votos nos últimos dois meses correspondem a quatro distritos tradicionalmente republicanos, que ainda há poucos meses tinham reafirmado esse alinhamento votando em maioria tanto no candidato republicano à Câmara dos Representantes como no candidato republicano à Casa Branca.

Objectivo: Georgia

Mas havia um distrito que podia ser vendido ao resto do eleitorado nos Estados Unidos como um sinal de que vinha aí uma vaga anti-Trump: se o candidato do Partido Democrata derrotasse a sua opositora do Partido Republicano no 6.º distrito da Georgia, as notícias nos jornais americanos teriam hoje títulos com um futuro muito negro para o Presidente Donald Trump.

E é aqui que se explica a conclusão apresentada logo no início do texto. O candidato do Partido Democrata no 6.º distrito da Georgia, Jon Ossoff, perdeu a batalha contra a candidata do Partido Republicano, Karen Handel, por uma diferença de quatro pontos (51,9% contra 48,1%), ou cerca de dez mil votos – mas, apesar de ter alcançado um resultado muito acima do que se esperava quando esta corrida foi anunciada, a verdade é que Jon Ossoff perdeu, e o Presidente Donald Trump conseguiu passar ao lado de uma avalancha de notícias e análises que ligariam esse resultado a um referendo sobre a sua Presidência.

A eleição especial na Georgia tornou-se numa espécia de boneca matriosca: dentro de cada argumento a favor ou contra o Partido Republicano ou o Partido Democrata, há outro argumento a favor ou contra o Partido Republicano ou o Partido Democrata, e assim sucessivamente.

O 6.º distrito da Georgia é do Partido Republicano há quase 40 anos consecutivos, desde que Newt Gingrich venceu as eleições de 1978, quando o Presidente norte-americano era Jimmy Carter, do Partido Democrata. Para além disso, o congressista que foi chamado este ano para a Administração de Donald Trump, Tom Price, era eleito lá desde 2005, e em Novembro do ano passado venceu com uma vantagem de 23 pontos percentuais sobre o candidato do Partido Democrata. O único obstáculo no caminho de Karen Handel para manter o lugar nas mãos do Partido Republicano era o facto de Donald Trump ter batido Hillary Clinton naquele distrito por apenas 1,5 pontos percentuais – quando os candidatos do Partido Republicano à Casa Branca costumavam ganhar com diferenças superiores a dois dígitos.

Estava traçado o plano – depois de Jon Ossoff ter vencido as primárias do Partido Democrata, seria ele, um jovem de 30 anos e sem experiência política, a cara ideal para convencer muitos eleitores do Partido Republicano a mudarem a cor do distrito, já que muitos deles, aparentemente, não gostam de Donald Trump e a candidata que o Partido Republicano lhes pôs no prato não se comparava em termos de popularidade ao seu anterior congressista, Tom Price.

O plano começou por resultar às mil maravilhas: Ossoff surpreendeu tudo e todos ao ser o candidato mais votado no dia 18 de Abril, mas como não chegou aos 50%, as regras mandavam que se realizasse uma segunda volta com os dois candidatos mais votados. E foi assim que se chegou à eleição de terça-feira, com o Partido Democrata com legítimas esperanças de fazer história ao mudar a cor política do 6.º distrito da Georgia – durante a campanha já tinha sido feita história, já que foi a mais dispendiosa de sempre numa corrida para a Câmara dos Representantes, com 50 milhões de dólares à disposição dos dois candidatos.

Mas, no final, quem ganhou foi a candidata do Partido Republicano. E, em vez de análises e notícias sobre uma catástrofe anunciada para Donald Trump, o Presidente norte-americano pôde twittar em paz: "Ora bem, as eleições especiais chegaram ao fim, e os que querem fazer a América grande outra vez ganharam! Todas as notícias falsas, todo o dinheiro gasto = 0."

O futuro é Clinton ou Sanders?

Apesar de ter encurtado a distância, o facto de o Partido Democrata não ter conseguido derrotar o Partido Republicano no 6.º distrito da Georgia foi um revés para a sua estratégia. Ou melhor, mostrou que ainda ninguém sabe muito bem qual é a melhor estratégia para conquistar o coração dos republicanos anti-Trump de forma convincente. Isto é, para ganhar eleições, e não apenas para ficar perto disso.

Jon Ossof foi um candidato com um discurso ao centro, longe daquela ala liderada pelos senadores Bernie Sanders e Elizabeth Warner, que defendem um ataque frontal contra Donald Trump. Durante a campanha, chegou a dizer que admitia trabalhar com o Presidente, se isso fosse benéfico para o seu distrito – algo que já ninguém na ala mais progressista do Partido Democrata consegue ouvir sem espumar pela boca. Do outro lado, a candidata do Partido Republicano, Karen Handel, evitou ao máximo dizer o nome de Donald Trump (ele só ganhou com uma diferença de 1,5 pontos em relação a Hillary Clinton), mas foi clara na defesa do fim do Obamacare e da sua substituição pelo plano desenhado na Casa Branca e na maioria do Partido Republicano na Câmara dos Representantes – no mínimo, a vitória de Handel pode fazer com que muitos políticos republicanos se sintam mais confiantes na versão daquela proposta de lei que vai ser revelada quinta-feira pelo Senado, sabendo que, afinal, o discurso anti-Obamacare ainda não chegou para roubar lugares ao seu partido na Câmara dos Representantes.

E essa linha mais centrista e bem comportada de Jon Ossoff nas eleições especiais na Georgia, somando-se ao resultado das eleições no 5.º distrito da Carolina do Sul, que se realizou também terça-feira, deixou o Partido Democrata ainda mais às escuras. Na Carolina do Sul, o candidato democrata também perdeu, mas perdeu por uma margem inferior à do candidato da Georgia e, ainda por cima, assumiu uma postura muito mais dura durante a campanha, fazendo lembrar os discursos de Bernie Sanders.

Os líderes do Partido Democrata dizem que a estratégia é mesmo essa (um candidato mais centrista nos distritos do país mais republicanos, e um candidato progressista onde o Partido Democrata está mais à vontade), mas a verdade é que já passaram mais de sete meses desde a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais e o Partido Democrata ainda não conseguiu transformar a frustração e a fúria numa vitória que dê energia à sua base – e que deixe vislumbrar um caminho para reconquistar a maioria na Câmara dos Representantes em Novembro de 2018, numa altura em que a imagem de Donald Trump deverá estar ainda mais fragilizada.

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