Nicolás Maduro já assina decretos enquanto Presidente interino

Enquanto milhares de pessoas aguardam a sua vez de se despedir do comandante Hugo Chávez, a oposição questiona a legalidade da nomeação do vice-presidente.

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Milhares de venezuelanos têm passado pela Academia Militar, onde está a ser velado o corpo de Chávez Mariano Bazo/Reuters

É um país em suspenso, e a viver à margem do direito constitucional, aquele que ainda chora a morte do Presidente Hugo Chávez. Nicolás Maduro, o “vice” que o próprio comandante decidiu indicar como sucessor antes de desaparecer do olhar público, já assina como Presidente em exercício da Venezuela, apesar de a lei fundamental estabelecer que em caso de morte ou renúncia do titular do cargo cabe ao dirigente da Assembleia Nacional o papel de assegurar o governo interino até à realização de eleições.

Na mesma edição da Gazeta Oficial onde foi publicada a nomeação oficial de Maduro como o chefe do poder executivo, apareceu também o seu primeiro decreto presidencial, uma declaração de sete dias de luto nacional pela morte de Hugo Chávez. Sem contestar a medida, até porque o povo quer despedir-se do Presidente, a oposição pôs em causa a titularidade do Governo.

“A memória de Chávez é desrespeitada cada vez que questionam o tema da Constituição”, censurou o ministro da Comunicação e Informação, Ernesto Villegas, chamado a explicar a legalidade da presidência interina de Maduro, que se apresentará oficialmente como o cabeça de lista do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) nas próximas presidenciais, ainda sem data.

O ministro respondia às dúvidas dos deputados da oposição, nomeadamente a coordenadora do grupo parlamentar independente, María Corina Machado, que numa mensagem no Twitter sublinhou que o país “precisa de entender a magnitude da violação constitucional que se processa a esta hora”, e considerou o decreto assinado por Nicolás Maduro enquanto Presidente uma “usurpação”.

“A Constituição da República Bolivariana da Venezuela estabelece um procedimento a seguir em caso de uma ausência absoluta do Presidente da República antes de tomar posse para um novo mandato. Segundo o artigo 233, a presidência interina deve ser assumida pelo presidente da Assembleia Nacional até que tome posse o novo Presidente que resulte de processo eleitoral a levar a cabo dentro dos trinta dias seguintes”, escreveu, questionando “como e quando” é que Nicolás Maduro foi empossado.

A confusão provém da decisão do Supremo Tribunal de Justiça da Venezuela, que em Janeiro determinou não haver necessidade de Hugo Chávez, reeleito com 56% dos votos em Outubro e internado em Cuba, ser empossado nessa data, por se tratar de uma situação de “continuidade no cargo”. Com essa decisão, o Supremo abriu a porta ao exercício do poder, por tempo indeterminado, pelo vice-presidente.

Segundo Villegas, a situação política em que caiu a Venezuela exige que seja Maduro a “assumir as rédeas do poder”, em cumprimento dos desejos expressos de Hugo Chávez e das normas da Constituição. O ministro invocou o argumento explanado pela procuradora-geral da República, Cilia Flores, que é casada com o vice-presidente. “Estamos diante da falta absoluta do Presidente, pelo desaparecimento físico do comandante Chávez. A partir desse momento entra em vigência, de forma automática, o artigo 233, que estabelece que se encarrega [do governo] o vice-presidente”. Flores refere-se à segunda alínea do artigo, que outorga a governação ao vice-presidente se a ausência do Presidente se verificar “nos primeiros quatro anos do período constitucional”.

Villegas também desmentiu que, como dizem alguns opositores, a candidatura de Nicolás Maduro à presidência seja inviável ao abrigo do artigo 229 da Constituição, que determina que não poderá ser eleito “quem estiver no exercício do cargo de vice-presidente executivo, ministro, governador ou autarca no dia da postulação [da candidatura]”.
Os analistas dizem que Maduro pode sempre defender que já não está no exercício do cargo de vice-presidente. Ou pode renunciar para fazer campanha — nesse cenário, o mais plausível é que deixe o poder nas mãos do ministro da Ciência, Jorge Arreaza, sobrinho de Hugo Chávez, até às eleições.

As sondagens apontam para uma vitória confortável do homem que serviu por seis anos como ministro dos Negócios Estrangeiros até ser promovido a vice-presidente — e que foi quem mais de perto acompanhou Chávez nos derradeiros anos. No outro lado da barricada, deverá estar outra vez Enrique Capriles, representante da Mesa da Unidade Democrática (MUD), que agrega os partidos da oposição.

Capriles, um centrista de 40 anos, governador do estado de Miranda, obteve o melhor resultado de sempre (44%) contra Chávez: a oposição, que se desagregou após a derrota eleitoral, só vai nomear o seu candidato oficial depois do funeral, mas o número dois do MUD, Ramon José Medina, já disse que “o nome de Capriles é o único em cima da mesa”.

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