Netanyahu e Trump celebram início de nova era entre recuos e incertezas

Netanyahu quer garantir total sintonia com o Presidente americano, depois dos desencontros com Obama. É, no entanto, incerto o que Trump tem para lhe oferecer e a pressão dos ultranacionalistas limita a sua margem de manobra.

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O Governo israelita garante que “não vai haver qualquer divergência”, entre Trump e Netanyahu Gali Tibbon/Reuters

Benjamin Netanyahu vai nesta quarta-feira à Casa Branca com um único e absoluto propósito: assegurar que o Governo israelita e a nova Administração norte-americana estão no mesmíssimo diapasão no que diz respeito ao futuro do país e do Médio Oriente. Quer antes de mais sublinhar que a eleição de Donald Trump marca um novo início nas relações com o aliado imprescindível, depois da convivência gelada que marcou os mandatos de Barack Obama. Mas em três semanas na Casa Branca, o Presidente americano aligeirou já muitas das promessas que deixaram a direita israelita eufórica, limitando a margem de manobra do primeiro-ministro.

“Quando Donald Trump se reunir com Netanyahu haverá, sem dúvida, grandes manifestações de amor. Ambos querem mostrar que esta é uma nova era nas relações bilaterais”, escreveu Dennis Ross, antigo enviado de Bill Clinton para o Médio Oriente, num artigo para a Foreign Policy. “A verdade é mais complexa do que isso”, afirma o diplomata, sublinhando que o Governo, em particular os aliados ultranacionalistas de Netanyahu, “terão desvalorizado o interesse da Administração Trump em manter em aberto a hipótese de um acordo entre israelitas e palestinianos”. Um cenário que se esfumaria por completo se forem concretizadas algumas das medidas anunciadas por Israel desde a chegada de Trump à Casa Branca, incluindo a lei aprovada na semana passada no Knesset que visa regularizar a expropriação ilegal de terrenos palestinianos.

“Este é um momento histórico e se o Governo do Likud não o gerir de forma correcta vamos lamentá-lo durante gerações”, disse Yossi Dagan, líder de um conselho que agrega vários colonatos na Cisjordânia, durante um encontro que segunda-feira juntou ministros e deputados do partido de Netanyahu, a activistas pró-colonização. Da reunião saiu um apelo comum para que o primeiro-ministro garanta o apoio inequívoco de Trump não só à expansão dos colonatos, como à anexação de parte da Cisjordânia – proposta capitaneada por Naftali Bennett, líder do partido de extrema-direita Casa Judaica e principal rival de Netanyahu na coligação de Governo. Os colonos, acrescentou Dagan citado pelo Jerusalem Post, “têm sido leais ao primeiro-ministro, mas exigem que ele seja leal ao que tem dito durante anos”, acrescentou.

Na véspera, o ministro da Segurança Pública Gilad Erdan, também do Likud, garantiu na rádio militar que “todos os membros do Governo, a começar pelo primeiro-ministro, se opõe à ideia de criação de um Estado palestiniano”. Netanyahu chegou a renegar a solução de dois Estados – “Israel e a Palestina vivendo lado a lado em paz e segurança” – durante a campanha eleitoral de 2015, mas recuou logo após ter sido eleito. E apesar da pressão da direita, ninguém acredita que vá a Washington repetir aquela posição, sobretudo depois de o Presidente americano ter assumido posições mais próximas daquele que tem sido o consenso da política externa norte-americana nas últimas décadas.

“Não vai haver qualquer divergência”, entre Trump e Netanyahu, garantiu à Reuters um conselheiro do primeiro-ministro israelita, que libertou toda a agenda desta terça-feira para se preparar para o encontro na Casa Branca.

Um regresso a 2004

Um trabalho dificultado pelo pouco que se sabe do que serão os pilares da política externa de Trump, o que explica que mesmo um dos aliados mais próximos de Washington tenha sido apanhado em contramão com os desejos aparentes do novo Presidente que, durante a campanha chegou a prometer mudar a embaixada norte-americana para Jerusalém e nomeou depois para embaixador David Friedman, um defensor acérrimo da colonização.

“A construção de novos colonatos ou a expansão dos existentes para além das suas delimitações actuais pode não ajudar ao objectivo” da paz, lia-se no comunicado divulgado pela Casa Branca no início do mês, quando o Governo israelita já tinha anunciado a construção de seis mil novas casas na Cisjordânia e Jerusalém Oriental. Uma semana depois, o próprio Trump lançou novo balde de água fria, numa entrevista ao jornal Israel Hayom: “O território que sobra é limitado. Cada vez que se apropria terra para um novo colonato, fica menos território. Não sou o tipo de pessoa que acredita que expandir os colonatos é bom para a paz”.  

A visita de Netanyahu, que pela primeira vez terá pela frente um Presidente republicano, servirá por isso para limar as arestas de uma relação que ambos prometem ser muito próxima. E se poucos arriscam prever o conteúdo das primeiras declarações públicas que fizeram, vários analistas consideram que o cenário mais provável será um regresso ao entendimento a que chegaram em 2004 os então líderes dos dois países, George W. Bush e Ariel Sharon.

Numa troca de cartas, o Presidente americano afirmava que os EUA continuavam comprometidos com a criação de um Estado palestiniano, mas aceitava que “à luz das novas realidades no terreno” não seria viável que Israel recuasse para as fronteiras anteriores a 1967, o que na prática admitia a anexação dos principais blocos de colonatos em troca de compensações aos palestinianos. Uma solução nunca aceite pela Autoridade Palestiniana e que Obama rejeitou mal chegou à Casa Branca. “Acho que essa é uma perspectiva realista” do que Netanyahu pode conseguir no encontro desta quarta-feira, disse ao Jerusalem Post Danny Ayalon, antigo vice-primeiro-ministro. 

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