NATO e Rússia brandem espadas nas maiores manobras militares desde a Guerra Fria

Do lado de cá, o exercício chama-se Saber Guardian, do lado de lá, Zapad. Os dois blocos mostram músculo e a rapidez com que podem atacar.

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Militares americanos em exercícios na Roménia BOGDAN CRISTEL/EPA
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Paraquedistas preparados para saltar, nos excercícios na Bulgária CSABA KRIZSAN/EPA
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Dezenas de milhares de soldados estão em movimento do Báltico ao mar Negro, enquanto a NATO e a Rússia se envolvem em exercícios militares maciços, de uma dimensão que o continente não via desde a Guerra Fria.

Ambos os lados argumentam que os exercícios, que envolvem aviões de guerra, navios de guerra, tanques e artilharia, são de natureza puramente defensiva. Mas é evidente que os exercícios também se destinam a exibir as suas capacidades militares e as tecnologias, pondo em evidência a força das alianças e também a rapidez com que os militares e os equipamentos pesados podem ser deslocados para esmagar uma ameaça que surja na fronteira de cada um.

O exercício mais ambicioso da NATO foi o Saber Guardian 17 (Guardião do Sabre, que terminou quinta-feira), uma série de exercícios de simulação de batalha em 12 locais diferentes que envolveram 25 mil soldados de 20 países deslocando-se na Hungria, Roménia e Bulgária.

O cenário apresentado aos comandantes dos grupos foi o de uma força terreste tecnologicamente muito avançada a ganhar terreno em território da NATO e a ameaçar a Aliança como um todo. Os exercícios incluíram testes de defesa aérea, fogo real com tanques, avanços no terreno com colunas de carros de combate, aviões e helicópteros a apoiarem os movimentos no solo, ciberguerra e lançamento de pára-quedistas.

"A dissuasão está ligada às capacidades, tem a ver com o potencial adversário, saber que estamos preparados para fazer tudo o que for necessário", disse o comandante do Exército americano na Europa, tenente-general Ben Hodges, que falou aos jornalistas durante os exercícios. "O que leva à escalada de tensões é parecermos fracos, desorientados, impreparados. É isso que convida a agressão".

Porém, aumentar a capacidade militar não significa ir para a guerra, acrescentou. "Os russos só respeitam a força, por isso temos que mostrar coesão. Creio que se mostrarmos que estamos juntos, que estamos preparados, não teremos com que nos preocupar".

O general desvaloriza os comentários que sublinharam que os planos do Saber Guardian não mencionavam a Rússia como sendo o adversário, apesar de claramente terem sido feitos a pensar no Kremlin.

O cenário desenvolveu-se a partir de um incursão em território da NATO por tropas avançadas inimigas que entaram com o objectivo de conquistarem recursos económicos em países do mar Báltico. Uma batalha com cinco mil soldados da Aliança Atlântica em Cincu, onde existe uma zona para treinos militares, usou helicópteros americanos e romenos Apache, tanques americanos Abrams e 650 veículos de apoio a um grande movimento de infantaria cuja missão foi travar o avanço das forças inimigas.

Os Estados Unidos planeiam gastar 23 milhões de dólares no alargamento desta base militar romena de forma a, no futuro, ali realizar simulações de batalha mais complexas.

Do outro lado da barreira da dissuasão está a Rússia, que estará a preparar o envio pelo menos 100 mil soldados para o terreno, para uma série de exercícios militares designados como Zapad (Ocidente), já nas próximas semanas.

Segundo informou o Kremlin, serão mobilizados cerca de 12.700 soldados activos na Bielorrússia e Rússia para participar no Zapad. Mas analistas e dirigentes da NATO dizem que o mais provável é que Moscovo conduza uma série de acções paralelas que farão engrossar essas fileiras com dezenas de milhares de militares. Ao abrigo do Acordo de Viena, assinado em 2011, observadores internacionais têm de estar presentes em qualquer exercício que envolva mais de 13 mil militares.

Ao manter o número de soldados destacados para o Zapad abaixo desse limite, e ao levar a cabo vários outros exercícios ao mesmo tempo, Moscovo evita a presença dos monitores e controla a narrativa sobre o desempenho do seu Exército. Mas a NATO está desconfiada.

Tendo em conta que a Rússia usou um gigantesco exercício militar para esconder a sua incursão na Crimeia, em 2014, e que a invasão da região da Ossétia do Sul, em 2008, ocorreu em simultâneo com um outro simulacro que encobriu um largo movimento de tropas para a Geórgia, a Aliança está a acompanhar com toda a atenção as operações do Zapad.

“As experiências relativas aos anteriores exercícios dizem-nos que temos todas as razões para presumir que haverá um número substancialmente maior de tropas envolvidas nessas manobras do que aquele que está a ser oficialmente apresentado”, disse o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, quando questionado sobre o Zapad.

“Não podemos, à partida, considerar o exercício militar Zapad como uma ameaça directa à NATO, ou como uma manobra de distracção para um ataque qualquer”, acrescentou Kristian Prikk, o secretário de Estado da Defesa da Estónia, numa conferência em Washington a 11 de Julho. “Mas não nos podemos esquecer que os russos têm o péssimo hábito de esconder os seus esforços militares reais por detrás de exercícios”.

As últimas manobras Zapad, em 2014, mostraram como a Rússia era capaz de movimentar muito rapidamente as suas forças de uma parte do país para outra, e ilustraram a forma como o Kremlin subestima o número de tropas envolvidas nos seus imbricados exercícios militares. Nessa altura, Moscovo disse que o simulacro envolveu 22 mil soldados. Os observadores internacionais concluíram que o número de participantes ultrapassou os 70 mil, ao adicionarem os exercícios mais pequenos que estavam em curso ao mesmo tempo.

Independentemente do número total de soldados que venham a ser mobilizadas para o exercício militar, é certo que Moscovo pretende “enviar um forte sinal de qual é a sua actual capacidade militar”, disse Olga Oliker, do Center for Strategic and International Studies, o think tank fundado em Washington nos anos 60 e que se dedica às questões de defesa e segurança.

O facto de muitas vezes Moscovo aproveitar para conduzir testes nucleares em conjugação com movimentos convencionais vem acrescentar um outro elemento de incerteza para a NATO e para o Ocidente.

Este ano, Oliker vai prestar especial atenção “ao papel que [o enclave russo de] Kalininegrado vai desempenhar" e também aos exercícios que estarão a ser realizados em simultâneo na Bielorrússia e nessas bases navais que servem de sede à frota da Marinha russa no mar Báltico.

Três navios de guerra chineses devem atracar em Kalininegrado esta sexta-feira, para integrar exercícios conjuntos com a Marinha e Força Aérea da Rússia.

O calendário das actividades para a próxima semana inclui operações de combate antifragata e anti-submarino, que servirão para as duas nações testarem a sua comunicação e coordenação em situação de guerra. “O principal objectivo do exercício é melhorar a eficiência na cooperação entre as duas frotas que contêm as ameaças à segurança marítima, e treinar a compatibilidade entre as tripulações dos navios de combate russos e chineses”, informou o Ministério da Defesa da Rússia.

A actividade naval no Báltico acontece depois de a NATO estabelecer novas brigadas na Estónia, Letónia e Lituânia, reforçadas pelos tanques e outros veículos blindados dos Estados Unidos pré-posicionados na região.

Em Junho, a Força Aérea Norte-americana também enviou bombardeiros B-1 e B-52 para a Europa para participar no monumental exercício Baltops com os aliados bálticos, que incluiu 50 navios aliados a ensaiar uma série de manobras defensivas para assegurar a protecção do flanco Norte da NATO.

No início deste mês, o Exército dos EUA enviou um sistema de míssil antiaéreo Patriot para ser usado em jogos de guerra da NATO na Lituânia. Foi a primeira vez que aquele sistema esteve na região báltica, onde a Rússia detém uma robusta capacidade de defesa aérea e antimíssil. O destacamento é temporário, acautelaram fontes militares norte-americanas, mas a Lituânia está a considerar comprar o sistema. A Roménia comprometeu-se, em Julho, a adquirir sete sistemas de defesa Patriot, num negócio de 3,9 mil milhões de dólares.

Um outro exercício militar da NATO relacionado com o Saber Guardian, o Sea Breeze 2017 (Brisa Marinha), decorre muito mais perto das fronteiras da Rússia e da Crimeia. Foram 12 dias de manobras navais no mar Negro (a operação termina sábado), planeadas em conjunto pelos EUA e a Ucrânia, e envolvendo o cruzador da Marinha americana USS Hue City e o contratorpedeiro USS Carney, que se juntam a outros 16 países que participam no exercício baseado em Odessa. Uma equipa de SEALS (tropas especiais da Marinha dos EUA) e agentes das forças secretas também vão participar no exercício.

Estas movimentações navais foram observadas pelas forças russas, que estão activas no mar Negro e melhoraram significativamente as suas capacidades de vigilância na Crimeia. Durante o último ano, aviões russos sobrevoaram repetidamente as embarcações norte-americanas nas águas internacionais do mar do Norte, levantando protestos de Washington.

Em Fevereiro, um caça russo pairou sobre o USS Porter, e em Maio jactos russos colocaram-se a poucos metros de aviões de vigilância dos EUA que sobrevoavam aquela via marítima.

Exclusivo PÚBLICO/Foreign Policy

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