Narendra Modi prometeu castigo e a tensão volta a subir em Caxemira

Habitantes junto da fronteira receberam instruções para se deslocarem para zonas seguras, depois da operação indiana em território paquistanês.

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Apoiantes de grupo pró-taliban em Queta, no Paquistão, queimam a efígie do primeiro-ministro indiano BANARAS KHAN/AFP

O primeiro-ministro indiano tinha avisado que haveria um castigo pelo ataque que há dez dias matou 18 dos seus soldados. Ele chegou esta quinta-feira em forma de “ataques cirúrgicos” contra bases na zona paquistanesa de Caxemira. A tensão volta a subir, e as populações da fronteira já foram aconselhadas a afastarem-se.

As chefias militares indianas emitiram um comunicado a dar conta da incursão militar no território paquistanês, mas poupou nos detalhes. Os militares disseram ter provocado “baixas significativas” entre terroristas que se preparavam para se infiltrar no território indiano, tal como fizeram no dia 18, quando atacaram um quartel em Uri – o ataque mais letal sofrido por uma instalação militar indiana em mais de 15 anos.

Uma fonte do Exército adiantou ao Times of India que na operação de quase cinco horas, que decorreu de quarta para quinta-feira, foram enviadas forças de combate terrestre e visados sete campos de treino que desde há uma semana estavam a ser vigiados. A mesma fonte adiantou que soldados indianos atravessaram a Linha de Controlo – a fronteira de facto que separa as duas partes de Caxemira, a região dividida quando a Índia e o Paquistão se tornaram dois países independentes, em 1947, e que é reclamada por ambos – e penetraram dois a três quilómetros no território paquistanês.

Por seu lado, o Paquistão nega que tenham sido efectuados “ataques cirúrgicos”, dizendo que “é uma ilusão deliberadamente gerada pela Índia para criar efeitos falsos”, lê-se num comunicado do Exército. Os dois soldados morreram numa troca de tiros que atravessaram a Linha de Controlo, sem que tenha havido uma provocação por parte do Paquistão, garante Islamabad.

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Das três guerras travadas entre as duas potências nucleares, duas tiveram epicentro nesta região. Reconhecendo uma possibilidade real do conflito entrar numa escalada, as populações que vivem a dez quilómetros da fronteira com o Paquistão (tanto em Jammu e Caxemira, como no Punjab) foram aconselhadas a deslocarem-se para zonas mais seguras, e as escolas estarão fechadas até novas instruções, noticiou o Times of India. Em alguns casos, as movimentações até já começaram.

A reacção de Nova Deli ao ataque de 18 de Setembro parecia ser apenas uma questão de tempo. Poucas horas depois do atentado (atribuído ao Jaish-e-Mohammed, um grupo separatista muçulmano que Nova Deli afirma ser apoiado por Islamabad), Modi afirmou aos indianos: “Garanto ao país que os que estão por trás deste ataque desprezível não ficarão sem castigo”.

Uma reacção excessiva poderá originar uma escalada perigosa para o nuclear, alertava a 19 de Setembro a Economist. “Apesar das Forças Armadas indianas serem mais fortes do que as do Paquistão, não gozam de uma vantagem tão significativa que torne eficaz uma resposta militar limitada”, adiantava a revista.

Já houve incidentes mais graves na Índia que acabaram sem resposta militar: o ataque ao Parlamento de Nova Deli em 2001 e os atentados em Bombaim, em 2008, que provocaram 166 mortos, lançados por terroristas treinados no Paquistão (Governo era então liderado pelo partido do Congresso). Narendra Modi, líder do Bharatiya Janata Party (BJP), prometeu posições mais duras face a Islamabad antes de ser eleito, em 2014.

Firmeza é, portanto, o que muitos indianos esperam do Governo nacionalista hindu (uma sondagem recente do Pew mostra que 60% dos indianos apoiam acções militares para responder ao terrorismo), e disso fez eco a revista India Times. Num artigo intitulado “Alerta de Apocalipse: Uma guerra nuclear Índia-Paquistão matará 12 milhões, destruirá dois países”, a revista refere que desde o ataque de dia 18 de Setembro que as redes sociais estão a ser inundadas com comentários – “desde o cidadão comum às celebridades” – de apoio a uma guerra contra o Paquistão. Surgiram até “sondagens bizarras” no Twitter perguntando se as pessoas estão dispostas a dar a vida pelo país no caso de uma guerra nuclear com o Paquistão. A mesma publicação deixa uma lista de coisas “que convém saber sobre as consequências de uma guerra nuclear antes de empurrarmos o Governo para uma jogada tão desastrosa”.

A retórica não tem sido branda. O ministro na Administração Interna, Rajnath Singh, classificou o Paquistão como “estado terrorista”, que esteve directamente envolvido no ataque contra a base indiana, garantindo “treino, armas pesadas e equipamento especial” aos atacantes. A chefe da diplomacia de Nova Deli, Sushma Swaraj, disse nas Nações Unidas que o seu país tem “provas da cumplicidade paquistanesa no terror transfronteiriço” e que o “Paquistão continua em negação”, acreditando que que estes ataques lhe permitirão obter o território que pretende”.

O Verão mais sangrento

No terreno, tem havido mão pesada também na forma como as autoridades respondem às manifestações contra o controlo indiano sobre Caxemira – o único estado do país com maioria muçulmana. E quem a tem sentido intensamente são os próprios habitantes da região. A última vaga de contestação cresceu em Julho passado, depois da morte do jovem Burhan Wani – “que se tornou no símbolo da Intifada caxemire, um movimento popular e pacífico pela liberdade”, segundo a descrição feita pelo primeiro-ministro paquistanês, Nawaz Sharif, durante a Assembleia Geral da ONU. Para além da morte de 89 pessoas (a maioria civis), trouxe ao vale um longo recolher obrigatório, a suspensão de serviços telefónicos e de Internet, o uso de armas não letais para dispersar multidões. Mas não trouxe pacificação, escreveu a Economist. “Tem sido o Verão mais sangrento dos últimos anos em Caxemira”, escreveu no site da Al Jazeera Farhan Mujahid Chak, professor da Universidade do Qatar. “A verdade é que o vale está fora de controlo e o Governo indiano continua fora da realidade”.

O mais alto responsável de Islamabad em Caxemira, Sardar Masood Khan, acusou a inflamada retórica indiana de estar a “criar uma psicose de guerra” que pode fugir ao controlo, disse numa entrevista ao Washington Times a 26 de Setembro. “Ameaça mergulhar o Sul Asiático numa guerra autodestrutiva”.

Vários analistas consideram que Modi tem poucas opções militares para pressionar o seu rival nuclear sem incorrer numa escalada que apenas aumentará os danos causados a si próprio, escreve o Financial Times. Uday Bhaskar, director do think tank Sociedade de Estudos Políticos, comentou ao jornal: “O clima no país é o de que alguma coisa tem de ser feita, mas não há no mundo uma situação de segurança mais complexa que esta”.

 

 

 

 

 

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