Não há opções boas para o “Brexit”

O tempo de empurrar com a barriga acabou. A partir de agora não há opções boas para o “Brexit”.

A partir de hoje e durante vários anos, o novo governo britânico terá espaço mental para uma coisa apenas: saber como se vai processar a saída do seu país da União Europeia (UE), ou “Brexit”. Por acaso, trata-se de um assunto que antes do ano passado e do referendo respectivo não estava sequer nas cinco principais prioridades dos britânicos, reveladas por anos de sondagens. Mas as prioridades dos britânicos não eram as prioridades internas do Partido Conservador que David Cameron tentou resolver através da aposta alta num referendo que esperava ganhar facilmente.

David Cameron tinha prometido acionar o artigo 50 de saída da UE (que dá dois anos até que o direito comunitário deixe de se aplicar a um Estado-membro) na manhã seguinte a uma vitória do “Brexit” no referendo. Em vez disso, demitiu-se. A sua sucessora, Theresa May, adiou esse gesto durante praticamente um ano. Uma vez finalmente acionado o artigo 50 do Tratado da União Europeia, quando se esperava que as negociações começassem, Theresa May fez uma coisa que prometera várias vezes não fazer, e convocou eleições.

Durante todos estes meses, incluindo durante a campanha eleitoral, não houve debate público sobre o que aconteceria nas negociações do “Brexit”. Mas o relógio está a contar. No dia 30 de março de 2019 o Reino Unido estará fora da União Europeia, a não ser na circunstância muito improvável de que todos os Estados-membros da UE decidam por unanimidade prorrogar o prazo.

O que sucede se o prazo terminar sem um acordo? Há uma resposta simples, que deixei escrita acima: o direito da UE deixa de se aplicar no Reino Unido. As consequências é que são tudo menos simples.

Na base do direito da UE está a ideia de “confiança mútua” ou “reconhecimento mútuo” entre os Estados-membros. Para dar um exemplo simples: um alimento declarado seguro pelas autoridades sanitárias portuguesas é um alimento reconhecido como seguro pelas autoridades sanitárias estónias, sem necessidade de novas fiscalizações. Uma decisão de um tribunal irlandês é aceite por um tribunal búlgaro. Uma guia de transporte emitido na Suécia pode circular na Itália. Um documento de identificação que certifica um cidadão europeu no seu país garante liberdade de circulação no resto do território da UE. E por aí adiante.

Se o Reino Unido chegar a 30 de março de 2019 sem um acordo com a UE, tudo isto deixa de valer ao bater da badalada. Os camiões que tragam produtos até à fronteira terão de parar para ser fiscalizados. As peças que façam parte de linhas de montagem pan-europeias não serão entregues a tempo. Aviões de companhias britânicas que voem entre dois países da UE deixarão de ter base legal para o fazer. E, acima de tudo, milhões de cidadãos da UE no Reino Unido e britânicos na UE ficarão com as suas vidas viradas do avesso.

Enquanto lê estas linhas, o leitor sabe mais do que eu, que ignoro o resultado das eleições britânicas. Caso Theresa May fique refém dos elementos mais extremistas do seu partido, o cenário que descrevi acima ficou muito mais provável. Noutros casos, será muito difícil evitar um referendo sobre a independência da Escócia ou a reunificação da Irlanda. E mesmo nas opções menos más, o Reino Unido pode acabar a ter de aceitar as temidas “leis europeias” sem ter voto nelas. E isto numa situação em que o Reino Unido já é o país na UE cuja economia menos cresce.

O tempo de empurrar com a barriga acabou. A partir de agora não há opções boas para o “Brexit”.

O autor escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico 

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