Não é preciso estar com pressas para o "Brexit", diz Merkel

Renzi e Hollande vão a Berlim dizer que não se pode "perder tempo para não criar incerteza”, mas a Alemanha quer travar precipitações.

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Merkel em Berlim com Hollande e Renzi John MACDOUGALL/AFP

Angela Merkel não tem pressa. Não está ansiosa por ver partir o Reino Unido e impôs o seu vagar ao resto da União Europeia, temperando os ânimos apressados de outros países. “Não nos podemos permitir um longo período de incerteza, mas posso compreender que Londres precise de algum tempo para analisar a situação”, afirmou a chanceler alemã.

Assim sendo, a União Europeia não vai iniciar discussões informais para o “Brexit”, ainda antes de o Reino Unido iniciar formalmente o processo – como alguns responsáveis europeus sugeriram. Jean-Claude Juncker, o presidente da Comissão Europeia, ou o presidente do Parlamento Europeu Martin Schulz, por exemplo, apelaram a que o Reino Unido iniciasse o mais rapidamente possível o processo de saída da UE. E até o ministro dos Negócios Estrangeiros, o social-democrata Walter Steinmeier, apelou à aceleração mostrando que as divisões europeias se ramificam até ao interior no Governo de coligação alemão.

Na classe política alemã, ressurgiram até especulações sobre a adequação de Juncker à liderança da Comissão, diz o jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung, por estar a colocar tanta pressão sobre Londres. Mas entre os sociais democratas (SPD), o desejo de Merkel de dar "espaço" ao Reino Unido, é considerado um "grande problema", uma visão "ingénua", diz a revista Spiegel.

O primeiro-ministro David Cameron, a braços com uma enorme crise política em casa, que afecta os dois maiores partidos britânicos, agradece. Afirmou no no Parlamento de Londres que não será apressado: “Esta é uma decisão soberana e que só compete ao Reino Unido tomar”.

A Alemanha, que verá a sua contribuição para o Orçamento europeu aumentar em muito com a saída do Reino Unido, não se apressa. Além disso, o equilíbrio de poderes e de interesses dentro do Conselho Europeu vai alterar-se, com o abandono de Londres. A Alemanha perde um aliado liberal para fazer face à nova geografia do Sul europeu, na qual a França deixou de ser a sua parceira para formar uma nova frente com a Itália e outros países pouco dispostos a prosseguir com políticas de austeridade e de controlo do défice orçamental.

Berlim gostaria de tempo para tentar obter uma disposição mais generosa para com a sua visão em Paris e Roma, diz a revista Der Spiegel. É por isso significativo que, para além de François Hollande, e do presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, tenha sido convidado para conversações em Berlim esta segunda-feira o primeiro-ministro italiano Matteo Renzi, antes da cimeira europeia em Bruxelas de terça e quarta-feira. Mas, significativamente, Juncker não foi convidado.

Renzi e Hollande concordam com ideia de não haver negociações informais, antes de o Reino Unido activar o artigo 50.º do Tratado de Lisboa, que prevê a saída de um país da UE no prazo de dois anos, após a data em que é activado. Mas não abdicaram de apelar a que a Europa não fique a arrastar os pés.

“Não podemos perder tempo para não criar incerteza”, afirmou o Presidente francês. Renzi levou para a cimeira de Bruxelas uma posição aprovada pelo Parlamento italiano de tom semelhante. “Solicitamos um rápido esclarecimento das implicações do referendo britânico, com a activação dos procedimentos previstos no artigo 50.º do Tratado de Lisboa”. Este dita que um país pode sair da UE e tem um prazo de dois anos para negociar a saída, a partir da data em que é invocado.

Relançar a UE

“A votação do povo britânico é um acontecimento histórico, e quem procurar hoje minimizar ou instrumentalizar o que o aconteceu estará a cometer um erro político. Ganhou o ‘Brexit’, não podemos fazer de conta que não se passou nada”, afirmou o primeiro-ministro italiano, citado pela agência Ansa.

“A Europa não pode passar um ano a discutir os procedimentos para abrir as negociações [de saída do Reino Unido], depois de ter passado um ano a discutir as próprias negociações. Assim perder-se-á de vista a mensagem do referendo”, criticou Renzi.

A cimeira de terça e quarta-feira não será a única a ocupar-se do “Brexit”. Mas esta, e as que se seguirão, devem “concentrar-se também no relançamento da UE”, que o primeiro-ministro italiano quer que seja um espaço de “justiça social e não apenas burocrático.”

Merkel abriu a porta a algumas discussões: “O Conselho Europeu deve encontrar uma resposta comum sobre o ‘Brexit’, e dar um novo impulso ao trabalho da UE. Devemos elaborar medidas concretas nos próximos meses sobre a segurança interna e externa, a luta contra o terrorismo, agir de forma estratégica nos países de origem da imigração”, afirmou Angela Merkel.

Neste conselho europeu, a Alta Representante para as Relações Exteriores da UE, Federica Mogherini, vai apresentar o primeiro plano de reforma da estratégia global da defesa da Europa desde 2003. O documento de 32 páginas, com o título Visão Partilhada, Acção Comum - Uma Europa Mais Forte, pretende aumentar a cooperação na área da defesa e segurança, para aumentar a capacidade europeia de actuar de forma independente. 

Preocupado com os resultados do “Brexit”, o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, desembarcou esta segunda-feira em Bruxelas e Londres. Os EUA gostariam que o resultado tivesse sido outro, mas aceitam o que aconteceu. “É a democracia”, comentou Kerry.

“Agora cabe aos líderes pôr em prática um processo de forma responsável, sensível e estratégica”, avisou. Consequências, haverá sempre. Mas apelou a que não se tomem decisões “com base em premissas vingativas ou feitas de cabeça no ar”. “Os Estados Unidos querem ter uma União Europeia forte.”

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