Não abram já o champanhe

Se Emmanuel Macron ganhar as presidenciais francesas, a tentação será voltar a dizer que a França, depois da Holanda, derrotou o nacionalismo antieuropeu. É caso, talvez, para pôr o champanhe no frigorífico.

Reserve as terças-feiras para ler a newsletter de Teresa de Sousa e ficar a par dos temas da actualidade global.

1. Na maioria das capitais europeias houve uma compreensível sensação de alívio. No ciclo “infernal” de eleições decisivas que a Europa tem pela frente, pode dizer-se que a Holanda entrou com o pé direito. Geert Wilders não ganhou as eleições. O actual chefe do Governo, Mark Rutte, ficou mais acima do que previam as melhores sondagens, embora muito abaixo da vitória de 2012. “Uma grande vitória sobre o populismo” foi na quinta-feira a frase mais repetida nas primeiras reacções europeias aos resultados holandeses. É tudo verdade. Mas não é toda a verdade, nem sequer representa uma vitória significativa dos partidos do centro. Podem fazer-se todas as contas possíveis. Que Wilders apenas representa 13,1% dos votos e que ninguém queria governar com ele. Que Marine nunca ganhará o Eliseu, porque a maioria dos franceses não a quer lá. Ou que, na Alemanha, os partidos europeístas mantêm um firme controlo das eleições. Os números não chegam para entender a realidade. A grande diferença é que, com 13% ou 25%, os nacionalistas e os populistas conseguiram impor a sua agenda no centro do debate político. Houve sempre forças extremistas de direita na maioria das democracias europeias. Mas limitavam-se às margens do sistema e era fácil ignorá-las. Hoje, a sua agenda política antieuropeia e xenófoba é suficientemente forte junto dos eleitores para que os partidos centrais (de direita ou mesmo de esquerda) se vejam obrigados a aproximar demasiado a sua mensagem da xenofobia reinante. Foi assim com Mark Rutte, como está a ser assim com François Fillon ou até com a CSU da Baviera, o partido irmão da CDU da chanceler alemã. Já não basta o nível de riqueza e de bem-estar que a sociedade holandesa garante a quase toda a gente. O sentimento de reclusão e de rejeição da diferença tem hoje um peso enorme nas escolhas dos eleitores.

Basta olhar para a campanha de Rutte, que acabou por ser validada nas urnas, apesar das enormes perdas que sofreu. O primeiro-ministro holandês não hesitou em copiar alguns slogans “wilderianos”, do género “Quem não está bem que se vá embora”, sem qualquer preocupação de moderar a linguagem. Geriu com mão pesada a crise com a Turquia, fazendo frente a Erdogan, no que foi apoiado por 86% dos eleitores. Algumas análises dizem que este episódio ajudou a aumentar a sua vantagem sobre Wilders.

2. A autêntica débâcle dos trabalhistas (centro-esquerda) merece também alguma reflexão. Tiveram a maior queda eleitoral e a maior derrota da sua história, o que lhes prenuncia um futuro bastante negro. O fenómeno não é um exclusivo da Holanda, mesmo que haja países, como Portugal, em que esta tendência é contrariada. Há também o exemplo de Martin Schulz, o líder do SPD alemão que está a conseguir inverter o declínio eleitoral do seu partido, desafiando a invencibilidade de Merkel. Mas também há lições a tirar desta derrota. Os trabalhistas, que foram o parceiro menor do Governo de Mark Rutte, aceitaram um programa de austeridade à boa maneira “alemã”. Ninguém conseguiu perceber qual era a diferença entre Rutte e o seu ministro das Finanças, Jeroen Dijsselbloem, que chefiou o Eurogrupo nos últimos anos. Durante a campanha, os trabalhistas ensaiaram algumas cedências Wilders em matéria de imigração. Não era isso que os seus eleitores queriam. Sentiram-se traídos por um partido de esquerda que ignorou as suas reivindicações sociais. Mesmo que os trabalhistas tenham tentado virar à esquerda na campanha, já foi tarde. Faltou-lhes um discurso que faça sentido como alternativa ao centro-direita.

3. Se Emmanuel Macron ganhar as presidenciais francesas, ainda por cima com um programa que não faz concessões ao discurso xenófobo e antieuropeu, a tentação será voltar a dizer que a França, depois da Holanda, derrotou o nacionalismo antieuropeu. É caso, talvez, para pôr o champanhe no frigorífico. O problema é que, de acordo com as sondagens, Marine, mesmo perdendo, deve conseguir arrecadar na segunda volta os votos de 40%. Se assim for, nada ficará na mesma. A vitória contra o populismo não pode passar apenas pela interiorização das suas ideias, sob pena de ser efémera. 

Sugerir correcção
Ler 3 comentários