Na África do Sul, Zuma tenta sobreviver a uma moção de censura

O cada vez mais impopular Presidente está a arrastar consigo o ANC e a economia do país.

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Manifestantes do partido Combatentes pela Liberdade Económica, de Malema, na manifestação de quarta-feira EPA/KIM LUDBROOK

Na quarta-feira, na festa em que celebrou 75 anos, Jacob Zuma disse aos seus convidados que não está agarrado à presidência da África do Sul. Enquanto a festa decorria, dezenas de milhares de pessoas juntaram-se em Pretória para exigir a sua demissão e do seu Governo. Mas o Presidente resiste e, esta quinta-feira, deixou claro que vai combater para minimizar o efeito de uma moção de censura que deverá ser votada no Parlamento nas próximas semanas.

A moção de censura, uma iniciativa do Movimento de Unidade Democrática (oposição), esteve marcada para 18 de Abril, mas a votação foi adiada para que o Tribunal Constitucional possa decidir se os deputados podem ou não usar o voto secreto, como quer a oposição. Zuma, nos argumentos que mandou para o Tribunal, argumentou que "não há nada na Constituição que diga que um chefe de Estado deva ser eleito ou derrubado por voto secreto".

"O Movimento de Unidade Democrática diz que ao não se usar o voto secreto se mina o objectivo de uma moção de censura. Rejeito essa ideia", defendeu Zuma, eleito em 2009 mas cujo envolvimento em escândalos de corrupção motivou, nas últimas semanas, os maiores protestos no país desde as manifestações anti-Apartheid. A impopularidade crescente do Presidente está a reflectir-se no partido que representa, o Congresso Nacional Africano (ANC), que governa o país desde que Nelson Mandela foi eleito Presidente, em 1994.

Na origem dos protestos não está directamente o partido, mas a liderança de Zuma — que recentemente criou um novo foco de polémica com a decisão de demitir o respeitado ministro das Finanças, Pravin Gordhan, e outros oito membros do Governo.

A instabilidade política levou ao colapso da moeda do país e as agências de rating baixaram a classificação de investimento da África do Sul para o estatuto de "lixo".

Teoricamente, a moção de censura pode interromper o mandato de Zuma, que termina em 2019. Mas os analistas dizem que este resultado é improvável — sobretudo se não houver votação secreta —, ainda que as perspectivas a longo prazo para o ANC parecem piorar. O partido está dividido sobre o que fazer em relação a Zuma.

"Esta é uma mobilização importante que está a infligir enormes estragos no ANC", disse ao The Washington Post Susan Booysen, professora na Universidade do Witwatersrand, especialista sobre o partido que lutou contra o sistema de Apartheid. "Mesmo que as palavras de ordem estejam centradas em Zuma, isto é uma acusação ao ANC".

O ANC sofreu uma derrota histórica nas eleições municipais do ano passado mas, até há pouco tempo, os analistas sugeriam que o partido tinha apoios suficientes a nível nacional para vencer as presidenciais de 2019. Actualmente, com Zuma em dificuldades e as ligações do eleitorado ao ANC baseadas na nostalgia e a desvanecerem-se, há quem questione este pressuposto.

"Zuma pisou os túmulos dos nossos antepassados e dos que lutaram pela nossa liberdade", disse John Moodey, o líder da Aliança Democrática (DA) na província de Gauteng. A DA é o partido da oposição mais popular na África do Sul.

Mais de duas décadas depois do fim do Apartheid, a África do Sul ainda se debate com a pobreza e a desigualdade. Para muita gente, a frustração com o Governo de Zuma é reforçada com o ressentimento por o renascimento do país, com a chegada da democracia, lhes ter trazido poucos benefícios económicos.

"Disseram que nos iam construir casas. Fizeram tantas promessas, mas não vemos nada", disse Mthobehi Sigagayi, de 35 anos, que esteve na manifestação de quarta-feira em Pretória. Viajou desde o município de Alexandra, que fica junto a Sandton, a moderna capital de negócios de Joanesburgo e que tem problemas de pobreza e crime.

Muitos sul-africanos interpretaram a remodelação do Governo como uma tentativa descarada de consolidar o poder, com Zuma a roderar-se de burocratas pouco experientes e manipuláveis. Esta não foi a primeira polémica do Presidente. No ano passado, Zuma foi condenado a indemnizar o Estado depois de os tribunais terem concluído que tinha gasto fundos públicos na sua mansão privada.

Também no ano passado, soube-se que a abastada família Gupta tinha subornado funcionários públicos e influenciado decisões políticas do Governo de Zuma.

"O Apartheid foi derrubado por uma frente unida", disse à multidão na quarta-feira em Pretória Floyd Shivambu, vice-presidente do partido Combatentes pela Liberdade Económica (EFF, liderado por Julius Malema). "Agora temos de nos unir contra Jacob Zuma."

Com The Washington Post

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