Morreu Shimon Peres, o anti-herói de Israel

É a última figura da geração dos “pais fundadores” de Israel, uma figura histórica que teve um papel decisivo em todos os momentos importantes desde a independência. Nunca foi popular mas morre, enfim, amado. Sofreu um AVC no dia 13 de Setembro.

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Shimon Peres nasceu em 1923 na Polónia, sob o nome de Szimon Perski. Em 1932, o pai emigra para a Palestina. A família junta-se-lhe dois anos depois. Os parentes que não emigram morrerão no Holocausto. AFP PHOTO/HO/ISRAELI PRESIDENCY
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O antigo presidente Palestiniano Yasser Arafat com Shimon Peres (fotografia sem data) REUTERS/Palestinan Authority
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Com o Papa João Paulo II em 1992
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Com o Papa Francisco nos jardins do Vaticano, 2014 AFP PHOTO / FILIPPO MONTEFORTE
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Shimon Peres, Barack Obama e o secretário de estado John Kerry em Jerusalém, 2013 AFP PHOTO/MANDEL NGAN
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Peres com jovens imigrantes judeus dos EUA, 2010 AFP PHOTO / JACK GUEZ
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Shimon Peres com Benjamin Netanyahu numa cerimónia no Memorial Yad Vashem, assinalando a memória do Holocausto em Abril de 2010 AFP PHOTO/POOL/BAZ RATNER
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Yasser Arafat, Hosni Mubarak, Jose Maria Aznar e Shimon Peres no encontro Euro-Mediterrâneo em Espanha, 2001 REUTERS/Dani Cardona
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Com Mandela Eric Miller/ REUTERS
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Com Arafat e Guterres
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Com Obama e Benjamin Netanyahu REUTERS/Jason Reed
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Com Hillary Clinton AFP PHOTO/GALI TIBBON
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Palestinians. EPA PHOTO AFP/MENAHEM KAHANA
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Com George W. Bush REUTERS/Larry Downing
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Com George W. Bush REUTERS/Oleg Popov

O tempo político de Shimon Peres estende-se por sete décadas, de antes da criação do Estado israelita, em 1948, até ao fim da sua presidência em 2014. Era o último sobrevivente da geração dos “pais fundadores” e o seu percurso confunde-se com a História de Israel. Era uma figura de relevo universal. Embora fosse especialista em perder eleições, ocupou todos os cargos do Estado. Depois de ter sido vilipendiado, despede-se aos 93 anos como um “símbolo do consenso nacional”, no momento em que ninguém sabe o que será tal consenso. O antigo Presidente e ex-primeiro-ministro de Israel morreu na madrugada desta quarta-feira, num hospital nos arredores de Telavive, anunciou a família.

O seu percurso e o seu legado não podem ser resumidos num artigo. Foi o obreiro do programa nuclear israelita e o arquitecto da sua estratégia diplomática, ancorando Israel no Ocidente, primeiro na Europa e depois na aliança com os Estados Unidos. Foi sempre o “embaixador” da imagem de Israel no estrangeiro, inclusive junto dos árabes. Foi um animador do processo de paz com os palestinianos. Os Acordos de Oslo de 1993 valeram-lhe, ao lado de Yitzhak Rabin e de Yasser Arafat, o Nobel da Paz no ano seguinte.

Foi “pomba” e foi “falcão”. Especialista nas altas e baixas manobras, “intriguista incansável” na definição de Rabin, sabia fazer compromissos com toda a gente e dizer aos interlocutores o que eles gostavam de ouvir. Na última etapa da vida desertou do Partido Trabalhista (Labor) para o Kadima (centro-direita).

O homem do nuclear

Peres nasceu a 2 de Agosto de 1923 em Vishniev, na Polónia, hoje parte da Bielorrússia, sob o nome de Szimon Perski. Em 1932, o pai emigra para a Palestina. A família junta-se-lhe dois anos depois. Os parentes que não emigram morrerão no Holocausto. A família muda-se de Telavive para um kibbutz. Casa-se em 1945 com Sonya Gelman (falecida em 2011).

O jovem Shimon conhece casualmente David Ben Gurion. Em 1943, torna-se líder das juventudes do Mapai, o antecessor do Labor. Ben Gurion aprecia-o. Dois jovens acompanham o líder no Congresso Sionista em Basileia em 1946: Peres e Moshe Dayan.

Alista-se no Haganah, a organização paramilitar sionista. Mas Ben Gurion não o quer para combater, encarrega-o antes de comprar armas e, depois, de procurar alianças para o Estado acabado de criar em 1948. Em 1953, com 29 anos, é director-geral do Ministério da Defesa. Participa no planeamento da Guerra do Suez contra Nasser em 1956, ao lado de franceses e britânicos.

Peres faz da França o primeiro aliado de Israel. Paris vende-lhe os moderníssimos caças Mirage III e, depois, ajuda-o a construir a central nuclear de Dimona. Ben Gurion considerava a arma nuclear indispensável à sobrevivência do Estado sionista.

Eleito deputado em 1959, é nomeado vice-ministro da Defesa, continuando a dirigir o programa nuclear e a desempenhar múltiplas missões diplomáticas, públicas ou secretas. Em 1969, sob Golda Meir, torna-se ministro da Integração dos Imigrantes, um cargo “quente” na sequência da ocupação dos territórios palestinianos.

O eterno perdedor 

Segue-se uma imparável ascensão. Passa pelas pastas dos Transportes, das Comunicações e, mais tarde, pelas Finanças e Negócios Estrangeiros. E, naturalmente pela Defesa, a primeira vez em 1974, sucedendo a Dayan, no primeiro Governo Rabin. Quando este se demite em 1977, Peres assume a liderança do Labor e a chefia do executivo. Mas o sucesso torna-se maldição: Peres perde as eleições desse ano para Menachem Begin e o Labor vê liquidada a sua hegemonia política de três décadas. É um “terramoto” que instala no poder a direita revisionista e os religiosos.

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Com Yasser Arafat Reuters

Será primeiro-ministro mais duas vezes. Primeiro em 1984-86: o Labor ganha tangencialmente, uma meia-vitória que leva a um governo de unidade nacional com o Likud, dividindo o cargo de primeiro-ministro em dois mandatos de dois anos. Depois, em 1995, na sequência do assassínio de Rabin, para logo voltar a perder as eleições de 1996 em proveito de Bibi Netanyahu. Em 2000, sofre outra derrota, ao perder a sua quase certa eleição para a Presidência da República. Em 2005 perde as primárias para a liderança trabalhista, abandonando o partido.

Tornou-se objecto de anedotas: “Quando é que se sabe que Peres vai sofrer uma derrota? Quando ele anuncia uma candidatura.” O parlamento corrigiu a dívida em 2007, elegendo-o Presidente.

Quem foi Shimon Peres?

Era um homem de muitas facetas. Sempre procurou o poder e exerceu uma imensa influência, dentro e fora dos seus cargos. Mostrava carisma junto daqueles com quem trabalhava. Mas não era popular. Muitos o admiravam, poucos o amavam.

Quem foi Shimon Peres? “Num Estado que inventou o novo judeu — sabra, tisnado pelo sol, soldado e aventureiro — ele era o velho judeu, o judeu do exílio”, escreve no Haaretz o jornalista Gideon Levy. Com o seu fato em vez de uma farda e com o seu sotaque yiddish não parecia o israelita tipo. E tinha outra desvantagem. Ao contrário de Moshe Dayan, seu velho amigo, ou de Yitzhak Rabin, o “inimigo de estimação”, ele não era sabra (nascido na Palestina) nem era general. Dayan e Rabin eram heróis. Conclui Levy: “Shimon Peres foi um anti-herói.”

Defendeu quanto pôde a solução “dois Estados”. Subestimou, no entanto, o potencial explosivo da mistura do nacionalismo com o fundamentalismo religioso e o messianismo. Penitenciou-se mais tarde pelo seu papel na instauração dos primeiros colonatos a seguir à guerra de 1967. Mas nunca abandonou “a sua quixotesca batalha pela paz israelo-palestiniana”, sublinha o analista Yossi Verter. Um trabalho de Sísifo, sempre em vão.

A direita odiou-o. “Nenhuma outra figura na História de Israel terá tão vilipendiada quanto ele, objecto de um sistemático assassínio de carácter”, anota Verter. E quando desertou do Partido Trabalhista, também a esquerda o denunciou como “coveiro do trabalhismo”. Como Presidente, foi acusado de se ter tornado no “colete antibalas” de Bibi Netanyahu — promovendo uma imagem simpática de Israel no estrangeiro. Ele respondia: “Eu sirvo o Estado; e Bibi ainda não é o Estado.” Abandonou a presidência com uma cota de popularidade de 85%.

Quem foi Shimon Peres? Responde Yossi Beilin, antigo ministro e figura da esquerda trabalhista: “Foi um homem inteligente que era capaz de mudar de posição quando chegava à conclusão de que tal mudança correspondia aos interesses do Estado de Israel.” Acrescenta o editorialista Nahum Barnea no Yediot Ahronot: “Ele esteve presente e teve um papel decisivo em todos os grandes acontecimentos da História de Israel, da guerra da independência à segunda guerra do Líbano.”

Porque o amam agora? Explicou Barnea quando ele sofreu o AVC: “Aos olhos do seu povo, deixou de ser um político. Tornou-se numa figura histórica, maior do que a política, maior do que a vida do dia-a-dia. (…) Este amor não assenta já em nada, nem na sua visão política, na pertença partidária ou em passadas emoções. O que eles [israelitas] gostariam de ouvir uma vez mais, como ele fez nas suas outras passagens pelo hospital, é que estava a gozar os seus médicos.” Desta vez estava a despedir-se.

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