Morreu Hans-Dietrich Genscher, arquitecto da reunificação alemã

Ex-ministro dos Negócios Estrangeiros conseguiu, com o chanceler Helmut Kohl, persuadir Moscovo a deixar sair a Alemanha de Leste do seu círculo de controlo.

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Com Henry Kissinger, em 2014 RONNY HARTMANN/AFP

Hans-Dietrich Genscher foi um refugiado do Leste da Alemanha que conseguiu voltar a juntar o seu país, em 1990, quando era ministro dos Negócios Estrangeiros da República Federal Alemã. Morreu na quinta-feira à noite, de problemas cardíacos, aos 89 anos, anunciou a sua família.

Genscher, do Partido Democrata Liberal (FDP), foi o ministro dos Negócios Estrangeiros alemão que mais tempo desempenhou este cargo. O líder actual do FDP, Christian Lindner, chamou-lhe "o arquitecto da unidade, um dos fundadores da UE".

Alguns comentadores comparam Genscher ao secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger e ao ministro do Exterior de Napoleão, Talleyrand. Utilizou o seu talento diplomático para garantir apoio para a reunificação alemã tanto entre aliados como entre ex-inimigos.

Juntamente com o antigo chanceler Helmut Kohl, dos Democratas Cristãos, conseguiu persuadir Moscovo a deixar sair a Alemanha de Leste do seu círculo de controlo, quando esta era a sua mais firme aliada no tempo da Guerra Fria. Por outro lado, ao tornar claro o empenhamento do Governo que então tinha sede em Bona na integração europeia, permitiu aos seus aliados ocidentais confiarem no novo gigante alemão.

A 3 de Outubro de 1990, as duas Alemanhas fundiram-se numa só, após a assinatura de um tratado com os quatro países vencedores da II Guerra Mundial que permitiu restaurar a completa soberania do país, 45 anos depois do conflito que redesenhou as fronteiras europeias.

O seu discurso mais famoso – que nunca chegou a ser terminado – foi um ano antes, em Praga, em Setembro, nos dias de tumulto antes da queda do Muro de Berlim. Milhares de alemães de Leste, desesperados para deixar o seu país, tinham tomado de assalto da embaixada de Bona na capital da então Checoslováquia, com a esperança de poderem sair dali para a Alemanha Federal, e Genscher tinha ido lá, para tentar encontrar uma saída para a crise política e humanitária que se tinha criado.

Quando chegou, foi à varanda da embaixada, já de noite, e disse à multidão que se acumulava nos jardins: "Compatriotas, viemos aqui dizer-vos que a vossa partida..." Os refugiados começaram a gritar de alegria, abafando as suas palavras, pensando que já podiam sair dali.

O Muro de Berlim caiu poucas semanas depois, sinal claro do colapso da Alemanha de Leste. "O seu discurso fez dele um símbolo de esperança, não apenas para os habitantes de ambas as Alemanhas, mas também para todos os cidadãos da Europa de Leste", afirmou o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker.

Genscher nasceu a 21 de Março de 1927 em Reideburg, perto de Halle. Serviu na Luftwaffe (Força Aérea) no final da II Guerra Mundial. Contou que só muitos anos depois soube que o seu nome tinha sido inscrito na lista dos membros do Partido Nazi. Fugiu da Alemanha de Leste em 1952.

Confessou que o seu pior momento, enquanto político, foi vivido em 1972, quando era ministro do Interior, e uma operação policial para tentar resgatar atletas israelitas raptados por um comando palestiniano nos Jogos Olímpicos de Munique correu mal e acabou com a morte dos 11 membros da equipa de Israel.

Dois anos depois, tornou-se ministro dos Negócios Estrangeiros, cargo que desempenhou até 1992.

Como líder do FDP, um pequeno partido que frequentemente entra em governos de coligação, decidiu mudar de parceiro de Governo em 1982 e fez cair o chanceler social-democrata Helmut Schmit, ao qual se seguiu Helmut Kohl, um democrata-cristão.

Genscher, um pró-europeísta dedicado, ajudou também a abrir caminho para o euro, com um memorando para a criação do Banco Central Europeu, um dos primeiros passos para o lançamento da moeda única, em 1999.

Mas teve também um papel determinado no rápido reconhecimento da declaração da independência da Croácia, em 1991 – considerado por muitos analistas o factor que desencadeou o desmembramento da ex-Jugoslávia e a violenta guerra que se seguiu.

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