Ministério Público brasileiro abre inquérito à morte de operário português em Manaus

Procurador acusa empresa de ter alterado local do acidente. Quarta morte nas obras de estádio de Manaus e oitava nas obras do Mundial 2014.

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Grua da Martifer envolvida no acidente que provocou morte de trabalhador português em Manaus Nélson Garrido

A morte de um trabalhador português nas obras da Arena Amazónia, em Manaus, na sexta-feira, está a ser alvo de uma investigação das autoridades brasileiras. O Ministério Público do Trabalho visitou o estádio, com o procurador a denunciar alterações no local do acidente, e a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego no Amazonas também enviou três fiscais para avaliar o caso.

Miguel Capobiango Neto, coordenador da Unidade Gestora do Projecto Copa (UGP Copa) em Manaus, disse ao PÚBLICO que quer “obter uma resposta sobre o que aconteceu, mesmo sendo um acidente fora da obra do estádio”.

António José Pita Martins, de 55 anos, funcionário da empresa portuguesa Martifer, não resistiu aos ferimentos sofridos às 8h, quando uma peça de um guindaste o atingiu. O acidente não ocorreu exactamente nas obras do estádio, mas sim no perímetro do recinto. O guindaste, que foi utilizado na montagem da cobertura do estádio, estava no sambódromo, que fica ao lado do recinto, onde estava a ser desmontado, de modo a ser transportado para fora de Manaus.

“Verificámos que a cena onde ocorreu o acidente estava sendo alterada pela empresa, por exemplo, a escada onde o trabalhador estava, que foi retirada de local. Além disso, foi atirada areia sobre os vestígios de sangue no chão”, disse Jorsinei Dourado do Nascimento, procurador do Trabalho, citado pelo jornal A Crítica, após uma inspecção ao local do acidente.

Miguel Capobiango diz que “a conduta da empresa não foi correcta”: “Isso [mexer no local do acidente] não pode acontecer. Somos contra esse procedimento”, acrescentou o coordenador da UGP Copa, afirmando que o local do acidente foi isolado após a chegada das autoridades – a Martifer não comenta estas acusações.

O Ministério Público do Trabalho deverá concluir a análise ao caso na próxima semana, altura em que decidirá sobre eventuais medidas. Em Dezembro, após uma queda ter provocado a morte de um trabalhador, o MPT paralisou a obra durante quatro dias, embora se tratassem então de obras em altura.

O PÚBLICO visitou as obras da Arena Amazónia na segunda-feira, altura em que a cobertura já estava praticamente concluída – estava-se na fase dos retoques finais –, as cadeiras colocadas, mas faltavam ainda várias obras no interior do estádio.

Miguel Capobiango afirma que este acidente mortal “não afectará o andamento das obras, porque ocorreu fora do estádio”: “As obras decorreram normalmente na sexta-feira e hoje [sábado] também estão dentro da normalidade”. A previsão actual é que o estádio de Manaus, um dos 12 que receberão jogos do Mundial de futebol deste ano, seja entregue ao Governador do Amazonas na próxima sexta-feira, sendo depois possível agendar a inauguração, que deverá contar com a presença da Presidente do Brasil, Dilma Rousseff.

Durante a visita de segunda-feira, o PÚBLICO confrontou André Pestana, gerente de contrato da Martifer, com os acidentes mortais já ocorridos no estádio e o responsável da empresa portuguesa respondeu que no caso de Dezembro houve uma falha de segurança por parte do funcionário que caiu, ao não colocar o cinto. “As arenas são dos ambientes mais seguros para se trabalhar no Brasil”, disse Pestana, salientando o facto de estarem no local muitos funcionários e de haver vários turnos de trabalho.

Sobre o acidente mortal desta sexta-feira, a empresa portuguesa afirmou que “neste momento presta toda a assistência à família [do trabalhador, da Ericeira] e apura as causas do acidente”, através de um inquérito que foi aberto – ainda não há informações sobre quando o corpo de António Martins será transportado para Portugal.

As condições de trabalho no estádio de Manaus e noutros recintos ainda em construção para o Mundial têm sido contestadas pelos sindicatos, acusando as empresas de pressão para apressar o andamento das obras.

Cícero Custódio, do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil do Estado do Amazonas (Sintracomec), anunciou que na próxima segunda-feira os trabalhadores vão cruzar os braços, em sinal de protesto.

Segundo as contas do jornal Estadão, esta é a oitava morte relacionada com obras do Mundial 2014, sendo que seis delas estão ligadas a acidentes de trabalho (três em Manaus, duas no Itaquerão de São Paulo e uma no Mané Garrincha, em Brasília) e duas com problemas cardíacos (uma em Manaus e outra em Belo Horizonte).

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