Militares afastam Presidente Zelaya em golpe de Estado contestado na rua

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Militares chegam ao congresso de Tegucigalpa Edgard Garrido/Reuters

Manuel Zelaya tinha pedido aos militares para ficarem nos quartéis e confessou ao El País: "Espero que nenhum saia para a rua". Mas o que aconteceu ontem ao Presidente das Honduras não podia estar mais longe disso. Os militares cercaram-lhe a casa, levaram-no para uma base aérea e depois para a Costa Rica. A comunidade internacional condenou o golpe e junto à residência de Zelaya juntaram-se centenas de apoiantes a chamar "traidores" aos militares.

A residência presidencial foi cercada ontem de madrugada, depois de vários dias de tensão em que Zelaya se bateu pela realização de um referendo para alterar a Constituição e poder concorrer a um novo mandato, contra a decisão dos tribunais e a vontade dos militares e da oposição. Zelaya foi eleito Presidente em 2006, e nas Honduras um chefe de Estado não pode permanecer no cargo por mais de quatro anos.

As emissões de rádio e televisão foram suspensas, a electricidade esteve cortada e os transportes públicos foram interrompidos. Durante todo o dia tanques e camiões militares percorreram as ruas da capital, Tegucigalpa, e houve helicópteros a sobrevoar a casa do Presidente e o Parlamento. Foi lançado gás lacrimogéneo sobre os manifestantes.

Soube-se que o Presidente tinha sido levado para uma base militar, e horas depois foi o próprio Zelaya a contar o que lhe tinha acontecido. "Estou em São José, na Costa Rica. Fui vítima de rapto por militares hondurenhos", disse ao canal de televisão Telesur. "Entraram à força no palácio presidencial e os meus guardas aguentaram vinte minutos. Levaram--me de pijama e agora aqui estou, na Costa Rica, de pijama".

O Presidente norte-americano Barack Obama disse estar "muito preocupado" com a situação nas Honduras e também a secretária de Estado Hillary Clinton condenou o golpe. "Pedimos a todas as partes para respeitarem a ordem constitucional e o Estado de Direito, reafirmarem a vocação democrática e empenharem--se em resolver as divergências políticas de forma pacífica", disse , e um porta voz da administração norte-americana disse à Reuters que Obama "reconhece Zelaya como o Presidente eleito e constitucional das Honduras, e nenhum outro".

O Congresso hondurenho reuniu--se numa sessão especial convocada pelo presidente, Roberto Micheletti, que foi nomeado Presidente interino do país, noticiou a Telesur citada pelo diário espanhol El País. No entanto, Zelaya anunciou que estará amanhã numa cimeira de chefes de Estado da América Central, em Manágua. Apesar do clima de tensão, a comissão eleitoral hondurenha emitiu um comunicado em que garante que as eleições presidenciais marcadas para 29 de Novembro irão manter-se.

Entretanto, o Supremo Tribunal confirmou que deu ordens ao Exército para deter Zelaya. Os militares "agiram para defender o Estado de Direito", ouviu-se num comunicado lido na rádio. Na semana passada já tinha havido uma decisão do Supremo Tribunal contra a realização do referendo previsto para ontem, em que seria decidida a criação de uma assembleia constituinte para mudar a Constituição. A oposição do Exército levou Zelaya a demitir o chefe de Estado-Maior das Forças Armadas, Romeo Vasquez, e levou-o depois, na sexta-feira, a ocupar com um grupo de apoiantes uma base militar para resgatar as urnas para o escrutínio.

Para além de Zelaya terão sido detidos oito ministros, entre eles a ministra dos Negócios Estrangeiros, Patrícia Rodas, bem como o secretário particular de Zelaya, Eduardo Enrique Reina.

Chávez ameaça intervir

A condenação internacional mais dura veio de um dos principais aliados de Zelaya, o Presidente venezuelano Hugo Chávez, que disse ter posto as suas tropas em alerta e ameaçou intervir militarmente depois de acusar os soldados hondurenhos de terem levado o embaixador de Cuba, que foi detido por alguns instantes, e de terem deixado o embaixador da Venezuela à beira da estrada, depois de o agredirem, adiantou a Reuters. O Presidente da Venezuela ameaçou ainda derrotar outro Governo que venha a tomar posse após o golpe. "Vamos deitá-lo abaixo, vamos deitá--lo abaixo, digo-vos."

Entre os aliados regionais das Honduras, que pertence à aliança bolivariana Alba, que reúne vários estados do continente, também o Equador anunciou que não reconhecerá qualquer novo Governo hondurenho que resulte deste golpe militar. A Presidente da Argentina, Cristina Kirchner, considerou que o golpe representa "um retorno à barbárie" na América Latina e apelou a que Manuel Zelaya retome funções. "Os que pertencem à minha geração sabem o que isto significa. Não hesito em qualificar isto como um regresso à barbárie e estou extremamente preocupada com a situação nas Honduras", disse Kirchner.

Um comunicado do Ministério dos Negócios Estrangeiros brasileiro sublinhou que "acções militares deste tipo são um atentado contra a democracia e prejudicam o desenvolvimento político da região". Mas as mensagens de preocupação chegaram também a União Europeia, de Londres, Paris e Madrid, e da Organização dos Estados Americanos, que se reuniu de emergência para debater a questão.

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