Manchester Arena - A Linguagem dos Alvos

Os jihadistas estão a optar pelos soft targets que têm, por regra, uma protecção ou segurança militar muito reduzida.

A Europa foi fustigada com mais um atentado terrorista. O palco foi Manchester. Morreram 22 pessoas na sequência da detonação de um dispositivo explosivo improvisado. A vertigem de violência com que temos vindo a ser atingidos já está a condicionar o nosso quotidiano. Atinge o âmago da nossa sociedade de uma forma fácil e cobarde, assumindo uma linguagem que felizmente já não temos – a da morte aleatória e a da barbárie. O jihadismo impingiu sobre nós uma perspectiva sanguinária que já não somos capazes de contemplar. A nossa linguagem perdeu capacidade de acção.

A prova desse potencial persuasivo é que o nosso comportamento social e político fica tolhido de igual forma tanto pela morte de uma pessoa por atropelamento ou esfaqueamento, como pela morte de dezenas de pessoas vítimas de uma explosão ou de rajadas de metralhadora. Passou-se a ideia de que ninguém está a salvo. Ou seja, os efeitos destrutivos de uma acção terrorista assentam, cada vez mais, na imprevisibilidade e no baixo risco durante a execução – dois vectores decisivos para a escolha do alvo.

Neste momento, tendo em conta o constrangimento operacional de um terrorista, já não são privilegiados os chamados hard targets. Isto é, alvos que têm uma segurança considerável. O que significa que um ataque corre o risco de ser interceptado por uma força potencialmente letal. Exemplos destes alvos são bases militares, infra-estruturas de organizações políticas ou altos dirigentes políticos.

Os jihadistas estão a optar pelos soft targets que têm, por regra, uma protecção ou segurança militar muito reduzida. É a opção mais fácil para um terrorista, em particular para aqueles que têm pouco ou nenhum treino (e capacidade) operacional, como caso dos chamados «lobos solitários» ou de células jihadistas autóctones. Estes alvos podem incluir centrais eléctricas, estruturas energéticas, pipelines, refinarias, barragens, reservatórios de água. Ou seja, infra-estruturas críticas cuja monitorização ao nível da segurança física não é total. Aqui o risco na acção é baixo. Mas o impacto destrutivo é muito elevado. São também soft targets instalações de lazer, como centros comerciais, salas de espectáculos ou estádios desportivos, e plataformas de transporte. Em ambos os casos o risco também é baixo e o sucesso elevado, sobretudo se tivermos em conta o impacto social.

A aparente aleatoriedade de um ataque a um soft target dá uma consciência total de vulnerabilidade aos cidadãos. São locais de inevitável passagem e ajuntamento de massas, logo um ataque pouco sofisticado (e até pouco destrutivo!) pode causar o máximo de disrupção social. Temos como exemplo o que tem acontecido na Europa nestes últimos meses. É claro que um alvo fácil pode tornar-se bem mais difícil como um grande evento desportivo ou diplomático. Aí, a vulnerabilidade tende a ser mais controlada, porque prevista.

Também vale a pena considerar o potencial de cobertura mediática que um ataque contra determinados alvos pode gerar. Nos anos 80 dizia-se que um terrorista queria muita gente a assistir e não muita gente morta. Hoje a situação é diferente – fruto da ideologia que isso justifica – um terrorista também quer muita gente morta. Então, tendo como pano de fundo uma certa inépcia operacional, a necessidade da relação simbiótica com os media, o baixo risco do ataque, um terrorista com pouco (ou nenhum) treino operacional vai sempre privilegiar um soft target.

No entanto, em paralelo à perigosa simplicidade dos ataques de «lobos solitários» e de células jihadistas autóctones, as operações do DAESH na Europa estão cada vez mais sofisticadas – Bruxelas, Paris, Moscovo e, eventualmente, Manchester, provam que há logística e coordenação. Esta mudança estratégica não aconteceu repentinamente. É o resultado de uma planificação estratégica de longo prazo. 

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