O futuro da Venezuela decide-se esta semana — e Maduro cantou

O Presidente não cede — no dia da eleição da constituinte, vai pôr 230 mil soldados nas ruas. A oposição não cede — marcou para quarta e quinta-feira nova greve geral. Surgem apelos a que sejam dados passos atrás, para evitar um banho de sangue na Venezuela.

Nas manifestações de sábado os jovens voltaram a enfrentar a Guarda Ncional venezuelana com fisgas, pedras, "cocktails molotov" e escudos feitos em casa
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Nas manifestações de sábado os jovens voltaram a enfrentar a Guarda Ncional venezuelana com fisgas, pedras, "cocktails molotov" e escudos feitos em casa Reuters/ANDRES MARTINEZ CASARES
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Os que combatem Nicolás Maduro, Presidente da Venezuela, e os seus planos para forçar eleições a 30 de Julho e constituir uma assembleia constituinte não param. Depois da greve de 24 horas na semana passada e de confrontos no sábado, a oposição agendou mais uma paralização para quarta e quinta-feira. Acusa Maduro de fazer da Venezuela uma ditadura e de ter arrasado a economia do país.

Ontem, ao confirmar mais estes dois dias de greve geral, o vice-presidente do parlamento, Freddy Guevara, disse que o país entrou numa semana que "será definitiva, crucial" para o país. "Estamos a viver horas decisivas para o futuro da Venezuela", disse Guevara, que assegurou que a criação da Assembleia Nacional Constituinte é "um processo fraudulento que quer violar a Constituição" e cujo objectivo é dar ao Governo "maiores liberdades para fazer o que fez com o magistrado Zerpa".

Os confrontos de sábado, que duraram horas, ocorreram quando militares da Guarda Nacional lançaram gás lacrimogéneo sobre milhares de manifestantes que se juntaram frente ao edifício do Supremo Tribunal, no centro de mais um conflito. Os deputados decidiram nomear novos magistrados para o Supremo, considerando que estes são os verdadeiros e não os 13 em funções e que são próximos do Governo.

Entre os juízes "alternativos" está o advogado Angel Zerpa, que acabou por ser detido pelos serviços secretos venezuelanos. A informação foi confirmada pelo gabinete da procuradora-geral, que rompeu com o Governo de Nicolás Maduro e que classificou a detenção como "ilegítima", e pelo presidente do parlamento, Julio Borges, de acordo com o jornal venezuelano El Universal.

Borges confirmou-a através da sua conta na rede social Twitter, onde também pediu à comunidade internacional que se mantenha atenta "às perseguições da ditadura" de Maduro aos magistrados recém-nomeados pela assembleia.

Do lado dos manifestantes pró-Maduro, as garantias eram de paz e de luta contra o "terrorismo" da direita, como disse Cilia Flores, primeira-dama e candidata a um lugar na assembleia constituinte.

Muitos dos manifestantes, de cara tapada, atiraram pedras e cocktails molotov contra as forças de segurança, equipadas com escudos antimotim e carros blindados. Muitos dos militares disparavam balas de borracha e de madeira a partir de motas.

Um violinista do contra

Entre os feridos está um músico, Willy Arteaga, de 23 anos, que ganhou popularidade ao tocar o seu violino frente às fileiras policiais, mesmo quando as manifestações lançam o caos nas ruas de Caracas. Da sua cama no hospital disponibilizou um vídeo no Twitter onde aparece com a cara magoada e de violino na mão. "Nem as balas de borracha nem os projécteis de madeira vão parar a nossa luta", diz Arteaga. "Amanhã estou de volta às ruas."

No YouTube, novas imagens mostram agora o violinista já em casa, dizendo que foi "vítima da forte repressão da Guarda Nacional" e convocando todos os venezuelanos para novos protestos.

O músico é um dos milhares de membros de um dos grupos que desafiam Maduro nas ruas, assim como Tyler, um jovem de 22 anos que a repórter Meredith Kohut, fotojornalista a trabalhar para o diário norte-americano The New York Times e no país há já nove anos, encontrou numa das suas reportagens.

Tyler, bandeira da Venezuela à volta do pescoço, T-shirt preta a cobrir-lhe metade da cara e escudo de protecção feito em casa, era apoiante do Governo de Maduro. Hoje combate-o nas ruas, principalmente porque a situação a que o Presidente conduziu o país leva à escassez de medicamentos que já afectou (e afecta) a sua família de forma trágica — a mãe morreu por falta de fármacos, a avó piorou da hipertensão e a sua irmã mais nova, asmática, sofre todos os dias.

"Estamos a viver com fome como nunca vivemos", disse à fotógrafa, a quem confidenciou que a sua família só tem dinheiro para se sentar à mesa uma vez por dia, geralmente para comer apenas arroz branco. "As coisas já estão mesmo muito más e nós não vamos aceitar isto mais."

Mais de 100 pessoas morreram e milhares ficaram feridas ou foram detidas desde que em Abril se intensificaram as manifestações contra Maduro e as suas políticas que, segundo a oposição, põem em causa a democracia.

Maduro, o Presidente de 54 anos que sucedeu a Hugo Chávez, denomina-se o porta-estandarte da esquerda internacional, lembra a Reuters, rotulando os seus opositores de "terroristas" de direita. Diz-se vítima de uma tentativa de golpe de Estado que merece o apoio dos Estados Unidos e da imprensa estrangeira.

O Presidente dos EUA, Donald Trump, já ameaçou a Venezuela com sanções económicas mas Maduro parece pouco disposto a recuar, tendo anunciado que, no dia marcado para as eleições, estarão nas ruas mais de 230 mil soldados para garantir a segurança de todos aqueles que quiserem votar.

O Presidente e John Lennon

No sábado à noite, escreve ainda a Reuters, Maduro foi à televisão para assegurar que haverá assembleia constituinte e ainda teve tempo para cantar Imagine, de John Lennon.

Dizendo-se preparado para "qualquer cenário", o Presidente acrescentou que via com bons olhos um encontro com o seu homólogo norte-americano: "Gostaria de ter boas relações com Donald Trump, de lhe apertar a mão, conversar, e de lhe dizer que estamos no século XXI e não nos tempos do colonialismo."

Perante os riscos que a perpetuação de um clima de violência acarreta, começam a surgir apelos a que Maduro cancele a votação de domingo para poder surgir um entendimento ou, pelo menos, a abertura de um diálogo.

Ontem, a imprensa de Caracas noticiou que a Igreja Católica e a Aliança Nacional Constituinte (ANC), uma ampla rede da sociedade civil, composta por organizações políticas próximas da oposição, laborais, estudantis, empresariais e religiosas, estão a apelar a um entendimento entre as partes para que a Venezuela possa recuperar desta crise.

Numa carta dirigida a Nicolás Maduro e publicada no El Universal, pede-se que se dê início a um "processo de reencontro, reconhecimento e reconciliação nacional justo que permita, mediante um novo pacto social e político, a transformação do Estado e a reconstrução nacional".

No momento em que o país vive uma situação "delicada" que afecta as instituições e o Estado de direito, continua a carta, a aliança desafia Maduro a reconhecer que é do "povo soberano", que é pela sua natureza "fonte das leis e depositário do poder constituinte original", que deve partir a iniciativa de convocar um referendo que altere a lei fundamental do país.

"Vossa excelência tem a altíssima responsabilidade — perante os venezuelanos e o mundo — de evitar que a agudização dos confrontos e da crise tenha um desfecho sangrento", diz a carta.

Numa entrevista ao canal televisivo Televen, o cardeal Jorge Urosa Savino defendeu, por seu lado, que "o governo não esteve à altura da gravidade dos problemas do país" e negou-se a assumir que a Venezuela está a implorar uma mudança, democrática, pacífica e imediata do poder. "O país está na ruína, as pessoas estão a morrer de fome, nos hospitais há uma quantidade de crianças que morre todos os meses. Isto demonstra que o governo não esteve à altura das circunstâncias."

Levado a pronunciar-se sobre a falta de imparcialidade política da Igreja venezuelana, Urosa Savino acrescentou: "Nós estamos a defender os direitos do povo que estão a ser violados por um governo ineficaz", que acusou de não respeitar as competências do parlamento.

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