Madrid vs Barcelona, o braço-de-ferro que ninguém vai vencer

A maioria que apoia a Generalitat insiste que a 1 de Outubro os catalães vão mesmo votar sobre a independência.

Foto
Carme Forcadell, a presidente da Assembleia catalã, e Carles Puigdemont, presidente da Generalitat, na Diada de 2017 QUIQUE GARCIA/EPA

Há anos que os dirigentes catalães prometem à população que vai poder pronunciar-se sobre a independência num referendo vinculativo. A maioria que apoia hoje a Generalitat (governo autonómico) decidiu que este é o momento para forçar essa consulta e insiste que a 1 de Outubro os catalães vão mesmo votar.

As leis aprovadas no parlamento catalão

De acordo com o plano estabelecido pelos partidos que apoiam o governo de Carles Puigdemont, os 72 deputados da coligação Juntos pelo Sim e da CUP aprovaram na semana passada uma série de leis que entram em choque com a Constituição e com o Estatuto de Autonomia da Catalunha (na Lei do Referendo declara-se mesmo que esta prevalece juridicamente em relação a todas e atribui-se aos catalães a soberania da região). Às duas leis principais – a do Referendo de Autodeterminação, que define as regras da consulta, e a da Fundação, que enumera os passos para a criação de uma nova ordem institucional – junta-se a nomeação do Colégio Eleitoral para supervisionar o referendo e a lei que cria umas Finanças próprias.

Os recursos do Governo espanhol

À medida que cada lei foi sendo aprovada e publicada no Diário Oficial da Generalitat, o Governo de Mariano Rajoy e a Procuradoria-Geral do Estado avançaram com os esperados recursos para o Tribunal Constitucional. Os 12 juízes que o integram já suspenderam a convocatória do referendo e anularam a Lei do Referendo de Autodeterminação, ao mesmo tempo que admitiam o recurso apresentado pelo Governo contra a Lei da Fundação da República e da Transitoriedade (conhecida por “lei da ruptura”) – segundo a Constituição, a simples admissão dos recursos por parte dos juízes implica a suspensão automática destas leis por um período de cinco meses.

Os processos na Justiça da Catalunha

A Justiça catalã também está envolvida – a procuradoria acusou a presidente do parlamento, Carme Forcadell, e quatro membros da Mesa do Parlamento, por terem permitido o debate da Lei do Referendo e da Transitoriedade. O Tribunal Superior de Justiça da Catalunha aceitou analisar a acusação de prevaricação e de desobediência mas recusou a de desvio de fundos públicos, que implicava penas de prisão. Esta não é a primeira vez que dirigentes catalães se vêem a braços com a Justiça: Artur Mas, ex-presidente da Generalitat, foi condenado por “prevaricação e desobediência grave” por ter permitido a consulta não vinculativa de 9 de Novembro de 2014. Impedido de exercer cargos públicos durante dois anos, o político de direita tem ainda de pagar uma multa de 5,1 milhões de euros.

As ordens que a polícia já recebeu

Na Catalunha actuam polícias nacionais e a polícia catalã, os Mossos d’Esquadra, que respondem à Generalitat. Esta terça-feira, o chefe dos Mossos, Josep Lluís Trapero, foi chamado à procuradoria catalã para um encontro que juntou representantes da Guardia Civil e do Corpo Nacional de Polícia da Catalunha. Todos receberam ordens para “apreenderem urnas” e qualquer material destinado a preparar e celebrar o referendo de 1 de Outubro. As várias unidades de polícia judiciária, por seu turno, devem reagir face a qualquer acto realizado por autoridades, funcionários ou “particulares em conivências com aqueles” dirigidos a preparar e celebrar o “referendo de autodeterminação ilegal”. Depois deste encontro, Puigdemont pediu que deixem os polícias catalães “tranquilos” e defendeu que a prioridade dos Mossos não é “apreender urnas” mas “velar pela segurança das pessoas”.

O apoio dos municípios catalães

Dos 947 municípios catalães, 642 confirmaram que vão ceder os espaços habituais para a realização do referendo. Estas respostas representam 41,3% da população. Falta Barcelona: a região metropolitana tem câmaras socialistas que recusam participar e a presidente da câmara da própria cidade, Ada Colau, afirma que fará o que puder para que os habitantes de Barcelona possam votar sem pôr em risco os seus funcionários. O delegado do Governo na Catalunha, Enric Millo, escreveu a todos os autarcas para os informar da sua “obrigação de não tomar nenhuma iniciativa e impedir qualquer objectivo que pretenda ignorar a citada providência”.

O artigo 155 da Constituição

De acordo com a Lei do Referendo, se o “sim” à independência vencer esta será declarada unilateralmente. “Não haverá referendo de autodeterminação”, disse Rajoy há uma semana. “Sei o que se espera de mim. Farei tudo o que for necessário, sem renunciar a nada”, garantiu. Partindo do princípio que Barcelona não recua e que a consulta se realiza, ninguém quer antecipar um cenário de batalhas entre polícias ou imagens de polícias a deter cidadãos de boletim de voto na mão. Mas da estratégia montada pela ANC fazem parte acções de desobediência civil. A maioria dos analistas estima que Rajoy guardará a sua arma maior para o dia depois da consulta ou depois da declaração de independência: trata-se de aplicar o artigo 155 da Constituição, que retira poderes ao parlamento e à Generalitat, funcionando, na prática, como uma suspensão da autonomia. O que já é imaginável é um cenário em que milhares de catalães cercam o parlamento e a sede da Generalitat em defesa dos políticos independentistas, tornando-os assim mártires de todo este processo.

Sugerir correcção
Ler 6 comentários