Lula foi ministro por duas horas e voltou a ser ex-ministro

O sistema judicial brasileiro está hoje em verdadeiro alvoroço, como se também ele tivesse sido contaminado pelo clima de divisão e partidarismo binário que tomou conta da sociedade civil e da classe política.

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Manifestantes em frente ao Congresso em Brasília REUTERS/RICARDO MORAES
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Cenário AFP/Beto Barata
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A polícia usou já gás pimenta contra os apoiantes AFP/ADRIANO MACHADO
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A situação na zona do Congresso em Brasília REUTERS/RICARDO MORAES
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O cenário em frente ao Congresso em Brasília REUTERS/RICARDO MORAES
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Confrontos na zona do Congresso em Brasília REUTERS/RICARDO MORAES
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Brasília AFP/Andressa Anholete
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Congresso Nacional do Brasil, Brasília REUTERS/Adriano Machado
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Manifestantes em frente ao Congresso em Brasília REUTERS/RICARDO MORAES
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Manifestantes contra Dilma em São Paulo REUTERS/ROOSEVELT CASSIO
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Confrontos em frente ao Palácio do Planalto AFP/EVARISTO SA
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São Paulo REUTERS/Leonardo Benassatto
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Palácio do Planalto, Brasília AFP/Andressa Anholete
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Palácio do Planalto, Brasília REUTERS/Adriano Machado
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Palácio do Planalto, Brasília AFP/Evaristo Sa
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Palácio do Planalto, Brasília REUTERS/Ricardo Moraes
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Palácio Presidencial, Brasília AFP/Andressa Anholete
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Av. Paulista, São Paulo REUTERS/Paulo Whitaker
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Lula e Dilma antes da tomada de posse AFP/Evaristo Sa
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Brasília AFP/Evaristo Sa
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Av. Paulista, São Paulo REUTERS/Paulo Whitaker
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Lula e Dilma antes da tomada de posse AFP/Evaristo Sá
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Palácio do Planalto, Brasília AFP/Andressa Anholete
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Av. Paulista, São Paulo REUTERS/Paulo Whitaker
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Palácio do Planalto, Brasília REUTERS/Adriano Machado
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Manifestação na Câmara dos Deputados AFP/Andressa Anholete
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Dilma Rousseff REUTERS/Adriano Machado
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Manifestação na Câmara dos Deputados AFP/Andressa Anholete
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Palácio do Planalto, Brasília REUTERS/Adriano Machado

O Brasil será imprevisível, ou não será: na sexta-feira, Lula da Silva voltou a ser ministro da Casa Civil. Não durou muito tempo: cerca de duas horas depois, já era ex-ministro outra vez. Em 30 horas, foi e deixou de ser ministro duas vezes. Tal como aconteceu nesta sexta-feira, no dia anterior também só durou cerca de duas horas no cargo.

Na quinta-feira, um juiz federal de Brasília e uma juíza federal do Rio de Janeiro tinham suspendido, em acções separadas, a nomeação do ex-Presidente para o governo de Dilma Rousseff por considerarem que a sua principal finalidade era dotar Lula de imunidade, protegendo-o de ser investigado e condenado por suspeitas de corrupção e lavagem de dinheiro pelo juiz da Operação Lava Jato, Sérgio Moro. Só o Supremo Tribunal Federal pode investigar e julgar ministros e membros eleitos da cúpula política do país.  

A Procuradoria-Geral do Estado, que faz a defesa do governo na justiça, apresentou recurso e conseguiu que as duas acções fossem derrubadas. A primeira, do juiz Itagiba Catta Preta Neto, da Justiça Federal de Brasília, foi indeferida ainda na quinta-feira. A segunda, da juíza Regina Coeli Formisano, da Justiça Federal do Rio de Janeiro, foi derrubada nesta sexta-feira à tarde e o gabinete do procurador-geral do Estado informou que a situação de Lula no governo estava regularizada e que este podia exercer o cargo – o segundo mais importante do executivo, equivalente às funções de  primeiro-ministro. E num timing perfeito: a essa hora, milhares de apoiantes do governo e de Lula começavam a concentrar-se em manifestações em vários pontos do país, previstas desde a semana passada como resposta aos protestos de domingo, em que três milhões de brasileiros reivindicaram o impeachment de Dilma e a condenação de Lula.

Mas por volta das 17h30 (20h30 em Lisboa), um juiz federal de São Paulo aceitou uma providência cautelar para suspensão da nomeação de Lula como ministro do governo. “Só para lembrar: Lula não é mais ministro nesse momento. Por enquanto”, noticiou a Globonews.

A reviravolta evidencia até que ponto uma batalha jurídica tomou conta da crise política brasileira. E não dá mostras de aplacar tão cedo. Actualmente existem mais de 50 acções em curso na justiça brasileira, apresentadas por cidadãos e diferentes partidos, contra a nomeação de Lula como ministro, incluindo 12 no Supremo Tribunal Federal. A Procuradoria-Geral do Estado pediu ao Supremo Federal a suspensão de todas as acções, mas esse recurso ainda não foi analisado. A revelação das escutas telefónicas de Lula colocaram-no numa posição frágil perante o Supremo Federal. Numa das gravações feitas pela Polícia Federal, durante um telefonema com Dilma, o ex-Presidente diz que o Brasil tem “um Supremo Tribunal totalmente acobardado”. Essa afirmação foi proferida no dia 4 de Março, depois de Lula ter sido levado sob escolta para depor na Polícia Federal de São Paulo por suspeitas de ter beneficiado do esquema de corrupção da Petrobras.

Graças sobretudo à Operação Lava Jato e ao Supremo Tribunal Federal, o poder judicial permanecia, até há pouco tempo, como uma das últimas instituições de confiança dos brasileiros, face a um Congresso e a um governo completamente desacreditados e tidos como corruptos. Mas o sistema judicial brasileiro está hoje em verdadeiro alvoroço, como se também ele tivesse sido contaminado pelo clima de divisão e partidarismo binário que tomou conta da sociedade civil e da classe política.

A divulgação das escutas telefónicas de Lula pelo juiz Sérgio Moro, que continua a repercutir na imprensa brasileira, tornou-se um ponto de discórdia: acto de abuso de poder revanchista ou gesto corajoso que prova que ninguém, nem mesmo as mais poderosas autoridades do país, estão acima da lei? 

As escutas deram origem a manifestações espontâneas nas ruas contra a ida de Lula para o governo, a partir de quarta-feira à noite. A mais expressiva delas, na Avenida Paulista, em São Paulo, durou mais de 30 horas e só terminou na sexta-feira de manhã, com intervenção da tropa de choque que retirou os últimos manifestantes – cerca de 30 – que se recusavam a desocupar a via. A polícia usou jactos de água e bombas de gás lacrimogéneo para dispersar os manifestantes, quando as tentativas de negociação com os mesmos não produziram efeito. O objectivo foi evitar confrontos com os manifestantes pró-governo que, horas depois, viriam a ocupar a mesma avenida. A nomeação de Lula como ministro produziu uma escalada de tensão entre apoiantes do ex-Presidente e do governo e os grupos que defendem o impeachment. Desde quarta-feira houve registos de agressões a simpatizantes do governo na manifestação de São Paulo e até mesmo pessoas com roupa vermelha, a cor do partido de Lula e de Dilma, o PT.

Na sexta-feira à tarde, milhares de manifestantes favoráveis ao governo ocuparam as ruas em meia centena de cidades e pelo menos 22 estados. “Não vai ter golpe!”, foram as palavras de ordem mais repetidas. A Avenida Paulista, em São Paulo, era a maior do país – segundo os organizadores, afectos ao PT, havia 200 mil pessoas no local ao início da noite. A Polícia Militar só iria divulgar a sua estimativa no final da concentração. Lula marcou presença na manifestação ao início da noite e foi ovacionado pela multidão.

Rio de Janeiro e Brasília também tiveram manifestações expressivas, baptizadas de “actos pela democracia”. Na do Rio, circulou um abaixo-assinado contra o impeachment de Dilma. A dimensão das manifestações é relevante, não por uma questão de medição de forças entre apoiantes do governo e oposição, mas também porque a chamada “pressão das ruas” poderá influenciar o processo de impeachment que segue paralelamente no Congresso. Na sexta-feira, o presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, arqui-inimigo do governo, fez questão de abrir pessoalmente uma sessão no plenário, de forma a encurtar o prazo de defesa de Dilma. Sexta-feira é um dia em que habitualmente não há sessões plenárias e os parlamentares viajam para os seus estados.

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