Luaty mantém greve de fome, exigindo que activistas aguardem julgamento em liberdade

“Esta é uma greve humanitária e de justiça”, declarou ao PÚBLICO a mulher de Luaty, Mónica Almeida. O activista cumpre esta terça-feira o 30.º dia sem ingerir alimentos.

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O estado de saúde de Luaty "permanece estável” DR

Há 30 dias em greve de fome, o músico angolano Luaty Beirão fez saber esta terça-feira que não tenciona interromper o seu protesto contra a ilegalidade da sua detenção e de outros 14 activistas políticos, acusados pelo regime de conspiração para um golpe de Estado, apesar do risco de vida. Com julgamento marcado para o próximo dia 16 de Novembro, o rapper que assina com o Ikonoklasta apenas pondera suspender a greve de fome se a Justiça conceder aos arguidos o direito a aguardar o início do processo em liberdade.

“Esta é uma greve humanitária e de justiça”, declarou ao PÚBLICO a mulher de Luaty, Mónica Almeida, recordando as razões que estão na base do protesto. “Eles [os activistas] estiveram 90 dias fechados numa cela de castigo, sem ser conhecida qualquer acusação contra eles, quando por lei esse prazo não pode ultrapassar os 21 dias”, uma situação que denuncia como manifestamente ilegal.

Quanto ao estado de saúde de Luaty Beirão – que bebe água e chá e está a receber uma solução salina por via intravenosa –, a sua mulher disse que, “apesar da fraqueza e indisposição, o quadro permanece estável”, sem que a equipa médica que acompanha o recluso na Clínica Girassol de Luanda tenha detectado qualquer situação “alarmante”. Ainda assim, os médicos terão decidido administrar medicação por via oral para responder a sintomas no fígado.

O músico e activista conversou sobre o processo judicial com o seu advogado, que confirmou não ter havido nenhum pronunciamento quer sobre a prisão preventiva, quer sobre o pedido de Habeas corpus apresentado pela defesa. “Nada de novo”, desabafou Mónica Almeida. Ao PÚBLICO a mulher de Luaty disse não ter sido ainda abordada pela diplomacia portuguesa, que, segundo informações do Ministério dos Negócios Estrangeiros, estará a tentar agendar uma visita privada na Clínica Girassol. “Não tenho conhecimento, mas o Luaty já recebeu diplomatas e está aberto a estas visitas”, disse.

Um outro arguido do processo, Albano Bingobingo, terá interrompido esta terça-feira uma greve de fome de 12 dias, em condições de “extrema debilidade física”. De acordo com o site Maka Angola, fundado pelo jornalista Rafael Marques, o activista (que foi motorista da Casa de Segurança do Presidente da República), terá sido submetido a tortura e maus tratos às mãos de guardas prisionais. Bingobingo, também conhecido por “Albano Liberdade”, está detido no hospital-prisão de São Paulo, em Luanda, para onde foram transferidos todos os arguidos do processo – mas não estará a receber o tratamento médico “adequado”. Além dos 15 reclusos, também integram o processo duas activistas, Laurinda Gouveia e Rosa Conde, autorizadas a aguardar o julgamento em liberdade.

Habeas corpus já!
Num artigo publicado na rede Angola, a cantora e compositora Aline Frazão junta a sua voz à dos que exigem a libertação imediata (Habeas corpus) dos 15 reclusos – um recurso solicitado pelos próprios e rejeitado pela Justiça angolana. “A inflexibilidade do Estado angolano, perante uma exigência que merece ser ouvida, não só pelo atropelado desenrolar do processo, mas também pelo risco de vida iminente do Luaty, deixa Angola mal vista dentro e fora de portas”, lamenta. “Por mais que se tente evitar, a decisão mais sensata, capaz de acalmar os ânimos e restituir algum norte para que as investigações prossigam, é que [os arguidos] aguardem pelo dia 16 em casa. Só assim se alivia o desgaste político e emocional acumulados, a manipulação mediática e a indignação da sociedade. Habeas corpus já, para todos”, defende.

A Amnistia Internacional renovou esta terça-feira o seu apelo à libertação “imediata e incondicional” dos 15 activistas detidos pelo regime angolano a 20 de Junho. “Luaty está a entrar no segundo mês de greve de fome e cremos que o seu estado de saúde é agora crítico e que a sua vida pode estar em risco. A sua detenção original foi uma afronta à liberdade de expressão e agora as autoridades parecem determinadas em agravar esta chocante injustiça mantendo-o em detenção”, criticou o director da Amnistia Internacional para a África Austral, Deprose Muchena, exigindo que “todas as acusações” sejam anuladas. “Os activistas não cometeram crime nenhum e foram detidos por simplesmente exercerem o direito de expressão. Estão em apuros com um governo que está decidido a esmagar a dissidência. São prisioneiros de consciência e têm de ser imediata e incondicionalmente libertados”, sublinhou.

Mais um activista preso
De Angola chegam denúncias de um novo caso de repressão do regime, que, segundo informações recolhidas por Rafael Marques, mantém em prisão preventiva o activista António Diogo de Santana Domingos “Magno”, que foi detido na passada quinta-feira, dia 15 de Outubro, quando se dirigia para a Assembleia Nacional para assistir ao discurso à nação do Presidente (e que acabou por ser proferido pelo vice-presidente Manuel Vicente).

De acordo com a denúncia do Maka Angola, Domingos Magno foi acusado de “falsa qualidade”, alegadamente porque teria tentado aceder à assembleia com uma credencial de imprensa. O site informa que o detido é estudante do 3.º ano de Economia e Gestão da Universidade Jean Piaget, e simultaneamente repórter do portal Central Angola 7311, fundado após uma manifestação antigovernamental a 7 de Março de 2011, inspirada pela Primavera Árabe.

A Amnistia Internacional também criticou a postura das autoridades angolanas, que mobilizaram unidades de polícia, cães e canhões de água para monitorizar vigílias de apoio aos activistas detidos junto da Igreja da Sagrada Família, em Luanda, chegando a deter brevemente alguns dos participantes.

A Amnistia é uma de várias organizações que se associaram às concentrações e vigílias em solidariedade com os activistas angolanos, convocadas para esta quarta-feira em Lisboa e no Porto. Na capital portuguesa, a concentração está marcada para o Rossio, às 18h30. A iniciativa decorre à mesma hora no Porto, em frente ao consulado de Angola.

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