Legalidade e viabilidade de acordo com a Turquia ainda em dúvida

É legal? Exequível? Vai resolver um problema ou apenas dar origem a novos? Horas antes da chegada a Bruxelas do primeiro-ministro turco para mais uma cimeira havia ainda muitas questões a resolver pelos líderes dos Estados-membros.

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Dos mais de 40 mil refugiados actualmente na Grécia, 12 mil estão em Idomeni Daniel Mihailescu/AFP

Com mais de 40 mil refugiados encurralados na Grécia, os líderes da União Europeia aterraram esta quinta-feira em Bruxelas para tentar limar as arestas do muito contestado acordo com a Turquia que prevê a devolução ao país dos refugiados que cheguem a partir de agora à Europa. “Já todos vimos as fotografias de Idomeni”, afirmou a chanceler alemã, Angela Merkel. “Queremos ajudar a Grécia a melhorar rapidamente as condições humanitárias.”

Idomeni é o nome de uma aldeia e de uma estação de comboio grega, junto à encerrada fronteira com a Macedónia, transformada no que o Guardian chama “a maior favela da Europa”. “Estas imagens ofendem-nos a todos”, disse numa visita aos campos improvisados e enlameados onde sírios, afegãos, iraquianos ou magrebinos se acotovelam há semanas Dimitris Avramopoulos, comissário da Migração, Assuntos Internos e Cidadania. “A situação é trágica, é um insulto aos nossos valores e à nossa civilização.”

Ao referir-se a Idomeni, Merkel quis sublinhar que não há alternativa ao acordo que ela própria negociou com o Governo turco, mesmo que vários líderes europeus duvidem da sua legalidade e das possibilidades logísticas de o concretizar. A própria chanceler afirmou-se “prudente” sobre a assinatura do acordo, prevista para sexta-feira com o primeiro-ministro turco, Ahmet Davotuglu. A poucas horas do arranque das discussões, ao jantar, o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, disse estar “mais cauteloso do que optimista”.

Mesmo a tempo da cimeira, o Tribunal de Justiça da União considerou que o direito comunitário admite que um Estado-membro reenvie um requerente de asilo a um país terceiro considerado seguro. Ou seja, a Grécia pode reenviar os potenciais refugiados de regresso à Turquia, mas só depois de ouvir individualmente os seus pedidos de asilo e de Ancara alterar a sua legislação para garantir protecção a todos os cidadãos (a Turquia só reconhece direito de asilo aos europeus e actualmente dá algumas garantias de protecção aos sírios, insuficiente, de acordo com muitas ONG).

Com as Nações Unidas a avisar sobre a ilegalidade de “possíveis expulsões colectivas e arbitrárias”, a Comissão Europeia garante que os reenvios serão legais porque não estão em causa “expulsões colectivas”. Cada pessoa poderá pedir asilo e recorrer da resposta, apesar de a Grécia dizer que os seus serviços de fronteira não estão prontos.

Ao mesmo tempo, para acalmar os países que recusam um acordo que obriga todos os Estados-membros a receber refugiados no seu território – a UE receberia vindos da Turquia o mesmo número de pessoas que seriam reenviadas para o país, “preferencialmente quem não tenha ainda entrado na União de forma irregular” –, a Comissão assegura que não está em causa nenhum “novo esforço” e só assegura o acolhimento de 72 mil pessoas. Este é o mesmo número de lugares já previsto e ainda não disponibilizado pelos países nos dois programas de repartição de refugiados aprovados o ano passado e muito atrasados (até agora, só 937 pessoas saíram da Grécia e da Itália a caminho de outros países da União).

Estes são só alguns dos problemas de um acordo que oferece à Turquia mais dinheiro, a promessa de reabertura de vários capítulos do processo de adesão à UE “assim que possível” e o eventual fim da obrigatoriedade de vistos para turcos que queiram entrara no espaço europeu para visitas curtas (dependente do cumprimento de dezenas de critérios por parte de Ancara, incluindo o reconhecimento de Chipre).

No limite do direito

“Tenho algumas garantias, mais ainda não estou convencido”, afirmou o primeiro-ministro do Luxemburgo, Xavier Bettel. “O pacote será muito difícil de aplicar e está no limite do direito internacional”, defendeu a Presidente lituana, Dalia Grybauskaité.

Para lá dos problemas colocados pelo próprio acordo, vários chefes de Governo lembram que há outras rotas de entrada na União (ainda que a viagem de barco no Egeu da Turquia para a Grécia tenha sido, nos últimos meses, a mais procurada) e já há sinais de que mais pessoas podem tentar alcançar as ilhas italianas ou atravessar a fronteira turca com a Bulgária. Só entre terça e quarta-feira mais de 2400 pessoas foram socorridas ao largo da Líbia e três corpos foram recuperados pela guarda-costeira italiana.

Recomendando que não se tenham “ilusões sobre o alcance deste acordo”, o primeiro-ministro português afirmou em Bruxelas que quem acreditar que os problemas serão resolvidos assim vai arrepender-se. “Daqui a umas semanas, quando a rota dos Balcãs continuar fechada e se abrir uma rota pelo Mar Negro ou através de Lampedusa vamos perguntar ‘por que é que não funcionou?’ Porque não resolvemos o nosso problema.”

“A preocupação mantém-se sobre as rotas alternativas, em particular Líbia-Itália, estamos em conversações com os italianos para evitar numa fase inicial um movimento idêntico ao da rota dos Balcãs”, admitiu num encontro com os seus homólogos europeus o ministro do Interior alemão, Thomas de Maizière. Numa carta enviada aos ministros dos Negócios Estrangeiros da UE, a chefe da diplomacia europeia, Federica Mogherini, avisou que tendo em conta a “volatilidade da situação na Líbia” é possível que mais de 450 mil pessoas do país possam tentar chegar em breve à Europa para pedir asilo.

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