Míssil de Kim quebra unidade no Conselho de Segurança

Coreia do Norte disparou mais um míssil de médio alcance, que voou 3700 km antes de se despenhar no Pacífico. EUA, Rússia e China não coordenam respostas.

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KIMIMASA MAYAMA/EPA

Com o ensaio balístico de sexta-feira sobre a ilha japonesa de Hokkaido, o líder norte-coreano, Kim Jong-un, terá fechado definitivamente a janela de oportunidade para o diálogo que tinha sido aberta pelo novo Presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in, ao tomar posse em Maio. “O diálogo é impossível numa situação destas”, reagiu Moon, forçado a recolher o ramo de oliveira estendido a Kim. Se o Norte “insistir em provocar-nos e aos nossos aliados, teremos força suficiente para esmagar qualquer tentativa e infligir um nível de destruição do qual seria impossível recuperar”, avisou. Cinco minutos depois do disparo, Seul respondeu lançando dois mísseis para o mar, num ataque simulado ao território vizinho.

A última provocação do regime de Pyongyang também fechou a porta a qualquer consenso para no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Reunidos de emergência a pedido do Governo de Seul, os cinco membros permanentes e com poder de veto, que há cinco dias se uniram num acordo para endurecer as sanções aplicadas à Coreia do Norte, já não conseguiram esconder a sua divisão perante a escalada da ameaça.

O desequilíbrio em função dos interesses (opostos) na relação com Pyongyang tornou-se, mais uma vez, evidente: de um lado, os Estados Unidos exigiram uma “acção directa” retaliatória; do outro, China e Rússia procuraram refrear a retórica inflamada, defendendo a retoma das conversações para mitigar a crise.

De regresso a Tóquio depois de uma visita à Índia, o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, repetiu que as “acções absolutamente inaceitáveis” do regime de Kim “ameaçam a estabilidade e paz” da região e do mundo, e que a comunidade internacional precisa de se manter unida na resposta à crise. “Todos juntos devemos fazer ver à Coreia do Norte que o seu futuro não será brilhante se continuar por este caminho”, declarou.

“É a segunda vez, nas últimas semanas, que o Japão, um aliado dos Estados Unidos, é directamente ameaçado por um ensaio balístico da Coreia do Norte. Estas provocações contínuas apenas aprofundam o isolamento diplomático e económico da Coreia do Norte”, declarou o secretário de Estado norte-americano, Rex Tillerson, para quem “todas as nações” têm a obrigação de responder de forma contundente a mais este desafio – especialmente a China e a Rússia.

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De regresso a Tóquio, após de uma visita à Índia, o primeiro-ministro japonês repetiu que as “acções absolutamente inaceitáveis” do regime de Kim “ameaçam a estabilidade e paz” FRANCK ROBICHON/EPA

As duas têm responsabilidades especiais, considerou Tillerson, a primeira por ser a maior fornecedora de petróleo a Pyongyang e a segunda por ser a maior empregadora da força laboral norte-coreana no estrangeiro. “A China e a Rússia devem indicar a sua intolerância com estes imprudentes e irresponsáveis lançamentos de mísseis respondendo com as suas próprias acções directas”, reforçou o chefe da diplomacia americana.

Pequim e Moscovo destoam

Embora os governos de Pequim e Moscovo tenham emitido mensagens de condenação do ensaio balístico norte-coreano, nenhum usou o mesmo tom crispado ou hostil. “O Governo russo não só demonstrou a sua intolerância com os lançamentos ilegais como também a sua disponibilidade para resolver a situação na península coreana”, sublinhou a porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia.

Ainda mais contundente, a porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, Hua Chunying, manifestou o seu incómodo com a postura agressiva dos EUA, do Japão e da Coreia do Sul, sublinhando que Pequim está muito longe de ser tanto o “foco do conflito” como a sua “solução”. “Os vários actores directamente envolvidos [na crise] devem assumir as suas responsabilidades em vez de tentar lavar as mãos”, acrescentou.

Horas depois de ter prometido “afundar” o Japão com uma bomba nuclear e reduzir os EUA “a cinzas”, o líder da Coreia do Norte demonstrou que as ameaças internacionais de isolamento não o preocupam. Às 7h locais (23h de quinta-feira em Portugal continental), um míssil de médio alcance – provavelmente um Hwasong-12 – foi lançado do bairro de Sunan, onde fica o aeroporto internacional de Pyongyang

O míssil alcançou uma altitude de cerca de 770 km e percorreu uma distância de cerca de 3700 km, sobrevoando a ilha de Hokkaido, no extremo Norte do Japão, antes de se desintegrar no oceano Pacífico ao fim de 19 minutos. Foi a maior distância percorrida por um míssil balístico norte-coreano: a ilha de Guam, um território ultramarino gerido pelos EUA no Pacífico, fica a uma distância de 3400 km da capital norte-coreana – para bom entendedor, a mensagem de Kim com este novo teste não podia ter sido mais clara.

Determinação de Pyongyang

Especialistas citados pelo The Korea Herald diziam que o novo ensaio prova a “determinação de Kim Jong-un em completar o seu programa de armamento convencional e nuclear”, após mais de uma década de investimento. “A Coreia do Norte está extremamente convencida do que está a fazer: não vai deixar de pisar no acelerador até ter atingido o seu objectivo”, considerou o antigo general sul-coreano, Shin Won-sik, que foi um dos responsáveis pela estratégia do gabinete do chefe de Estado das Forças Armadas de Seul.

O objectivo, prossegue o professor do Departamento de Unificação da Coreia da Universidade Inje, Kim Yeon-chul, será a confirmação internacional da Coreia do Norte como uma potência nuclear, que Kim Jong-un pretende obter para que as suas exigências e ameaças aos EUA possam ser encaradas como credíveis. “A actual sucessão de actos provocatórios deve ser interpretada nesse contexto. O regime acredita que depois de concretizar as suas ambições nucleares será capaz de negociar e extrair concessões aos Estados Unidos”, nomeadamente a retirada das forças norte-americanas do país vizinho, refere o especialista, que foi um dos observadores das conversações a seis de 2005.

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