Jovens mobilizam-se contra o Código do Trabalho de Valls e Hollande

A nova legislação laboral proposta pelo Governo socialista francês aumenta a precariedade e traz os jovens e os sindicatos para a rua.

Foto
Alunos do secundário enfrentam polícia de choque em Paris THOMAS SAMSON/AFP

Os jovens franceses estão na frente da contestação ao novo Código do Trabalho do Governo socialista de Manuel Valls e François Hollande. “Esta lei faz-me medo, põe em causa a posição do assalariado e o futuro dos trabalhadores”, confessava Edmond, de 30 anos, um dos muitos que saiu à rua para protestar contra a legislação que será discutida no Parlamento esta semana – e contra a qual há já manifestações e greves marcadas, para os dias 5 e 9 de Abril.

O que faz mais medo a Edmond, com quem o Le Monde falou na quinta-feira, em Paris, é um artigo do novo Código que fala sobre a possibilidade de permitir aos patrões “modular os tempos de trabalho”, para conquistar novos mercados e melhorar os seus rendimentos. O Governo prometeu que os salários não iriam baixar. Mas ele vê a coisa por outro prisma: “Se tivermos de fazer mais horas com o mesmo ordenado, não sei como é se pode fingir que não há alterações”, sublinha.

Outra jovem francesa, desta vez em busca de trabalho, é Clémence Mas, de 24 anos. Tem um mestrado. “Por vezes sinto que passei cinco anos a estudar no ensino superior para nada.” O Código do Trabalho deixa-a verdadeiramente irritada: “A precariedade dos jovens não é, claramente, a preocupação do Governo.” Deviam é impedir as grandes empresas de usar estagiários, abusando deles em vez de criar postos de trabalho, afirmou ao Le Monde.

Um aumento da precarização, uma degradação dos direitos dos assalariados e facilitação dos despedimentos, tudo isto são aspectos do novo Código que levam as centrais sindicais a pedir aos deputados que “rejeitem” o texto governamental. “É ao nível da empresa que a pressão e a chantagem são mais fortes. Esta lógica conduz, nos países que a praticaram (nomeadamente Espanha e Portugal), a um colapso da negociação colectiva e ao aumento do número de trabalhadores não cobertos pela negociação colectiva”, diz um comunicado da CGT e vários outros sindicatos, citado pela AFP.

Na quinta-feira passada, saíram à rua para protestar contra o Código do Trabalho 1,2 milhões de pessoas em 250 cidades francesas, segundo os organizadores – ou 390 mil, nas contas da polícia. Tirando as manifestações contra o alargamento dos direitos conferidos pelo casamento aos casais homossexuais (o chamado “casamento para todos”), estes estão a ser o maiores protestos na rua contra o Governo socialista de Hollande e Valls.

#NuitDebout

Em Paris, na Praça da República, um grupo de manifestantes iniciou um acampamento, inspirado nos Indignados espanhóis, ou o Occupy Wall Street, com uma palavra de ordem e uma hashtag para ser seguida nas redes sociais, #NuitDebout  (uma noite a pé, acordados), que se alarga a outras grandes cidades francesas, como Lyon, com uma tag alternativa, #33Mars.

“O desemprego, a habitação, a saúde, a educação, as liberdades democráticas… O Governo explorou até ao osso o tema do terrorismo! Seria demasiado prático usá-lo para nos calar e fazer esquecer tudo o resto”, disse um dos presentes na improvisada assembleia geral ao cair da noite de sexta-feira, relata o Le Monde. Os companheiros aprovavam. Mas a polícia de intervenção, que andava sempre por perto, desfez o acampamento improvisado na madrugada de sexta para sábado, porém os jovens voltaram durante o dia.

Grandes manifestações, quando a França continua em estado de emergência, significa que têm sido mobilizados pesados meios de segurança e houve violência policial, em especial contra jovens, que também bloquearam liceus. No liceu Henri-Bergson, em Paris, um aluno foi agredido por um polícia, que foi filmado, e foi aberto um inquérito administrativo. Dois outros casos de violência policial foram filmados, em que os agentes têm as caras tapadas por passa-montanhas, e poderão dar origem a outros processos.

Se o Presidente Hollande já está habituado a sondagens com valores negativos recorde, o clima de insatisfação com o Governo é grande, sobretudo entre o eleitorado do Partido Socialista. “Depois da chegada de Manuel Valls e Emmanuel Macron [o ministro da Economia] ao Governo, parece que é fora do PS que há mais socialistas”, comentava um casal de reformados numa secção do PS do Eure, um departamento no Norte de França, citado no Libération.

Apesar de baralhar o tradicional eleitorado socialista, o primeiro-ministro Manuel Valls que diz estar aberto a negociar mas não propriamente a fazer mudanças fundamentais ao Código do Trabalho  tem sido um dos políticos mais populares em França. Só que, desde que se iniciou a contestação ao Código do Trabalho, a sua cotação caiu em flecha: actualmente, satisfaz apenas 27% dos franceses, sublinha o Journal du Dimanche.

Sugerir correcção
Comentar