Japão recorda os 70 anos de Hiroxima com medo de novas guerras

Na primeira cidade atingida por uma bomba atómica, falou-se de paz. Mas o primeiro-ministro Abe assusta os japoneses ao falar do papel militar do país no futuro.

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A cúpula da bomba atómica em Hiroxima, o único edifício do centro da cidade que ficou em pé no dia da bomba Kyodo/REUTERS
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O Memorial da Paz, em Hiroxima, onde se juntam as pessoas para rezar JIJI PRESS/AFP
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O primeiro-ministro Shinzo Abe em Hiroxima Thomas Peter/REUTERS
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O sino com que se assinalou a hora em que a bomba explodiu sobre Hiroxima Thomas Peter/REUTERS
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Velas são deitadas à água com uma prece pelas vítimas de Hiroxima Toru Hanai/REUTERS

Uma adolescente e uma criança fizeram soar um enorme sino às 8h15, a hora a que a bomba atómica explodiu sobre Hiroxima, há 70 anos e num dia matou 80 mil pessoas. Depois, as 55 mil pessoas que se juntaram ao pé do único edifício que ficou de pé no centro da cidade e do memorial da paz, construído mais tarde, ficaram em absoluto silêncio. Só se ouviam as cigarras no Verão japonês e, lá longe, as asas das pombas soltas para o céu.

A recordação das vítimas da guerra numa sociedade em que o militarismo foi substituído por um arreigado pacifismo acontece num ambiente político ao rubro. No Parlamento, discutem-se as alterações à Constituição desejadas pelo primeiro-ministro Shinzo Abe para que o Japão possa, pela primeira vez desde o fim da II Guerra, enviar tropas de combate para áreas de conflito.

Mas isto não é nada pacífico no Japão e tem custado muita popularidade a Abe. Tem havido manifestações e críticas de outros políticos e de intelectuais.

Talvez para tentar diminuir o desgaste da sua imagem, o primeiro-ministro aproveitou a evocação da bomba atómica americana lançada em Hiroxima para anunciar que o Japão vai apresentar na próxima Assembleia-Geral da ONU uma resolução para abolir as armas nucleares. “Enquanto único país atingido pela arma atómica, temos a missão de criar um mundo sem armas nucleares”, lançou Shinzo Abe à multidão, com pessoas de 100 nacionalidades – a mais variada em 70 anos.

Isto não chegou, no entanto, para calar as críticas, que vêm até dos que sobreviveram às bombas atómicas de Hiroxima e de Nagasáqui, três dias depois, nos quais morreram cerca de 450 mil pessoas. O primeiro-ministro esteve sob uma chuva de críticas de alguns dos hibakusha, ou pessoas afectadas pela bomba.

“Essas novas leis vão trazer a tragédia da guerra de novo para o nosso país”, afirmou Yukio Yoshioka, de 86 anos. “Tem de as retirar.” O primeiro-ministro respondeu-lhe que as considera fundamentais para a defesa do Japão, contra as ameaças que hoje podem pôr em causa o país – a China e a Coreia do Norte. Mas fez promessas: “O nosso compromisso é contra a guerra, o caminho pacifista iniciado pelo nosso país nunca mudará”.

Quanto ao muito esperado discurso que deve pronunciar a 15 de Agosto, data da rendição do Japão, e sobre o qual muita especulação se tem feito, Shinzo Abe levantou um pouco o véu sobre o que dirá: “Mencionarei os remorsos sobre a guerra passada, o caminho pacifista feito após a guerra e a contribuição futura do Japão para a região Ásia-Pacífico e para o mundo.”

Deu assim um sinal para os que temiam que abandonasse a atitude de penitência do Japão pelas invasões da Coreia e China, no mesmo dia em que foram conhecidas as conclusões de 16 especialistas que estão a aconselhar Abe sobre os termos que deve utilizar no discurso. A recomendação é que mencione a “agressão japonesa” contra os seus vizinhos asiáticos, no seu período de expansão militar de 1910-1945, diz a AFP.

No entanto, Abe não sossegou os que se inquietam com os planos de tornar as forças de autodefesa japonesas num verdadeiro exército, capaz de acompanhar aliados como os Estados Unidos, ou até a NATO, em acções militares.

Isto não convence pelo menos os sobreviventes de Hiroxima. “Não suporto isto. O primeiro-ministro só diz grandes palavras enroladas em açúcar. A atitude do Governo desrespeita nos sentimentos e as preces das vítimas”, afirmou Yoshioka.

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