Irão não vai “instigar o confronto”, mas aconselha “prudência” aos EUA

Os iranianos estão habituados a lidar com uma Casa Branca "hostil", diz o ministro dos Negócios Estrangeiros. Obama não era "bonzinho", diz; só “chegou a um acordo nuclear com o Irão por não ter alternativa”.

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Reuters/POOL

O Irão nunca iniciou um confronto e não tenciona fazê-lo, mas “não é um alvo fácil”, avisa o ministro dos Negócios Estrangeiros, Javad Zarif, em entrevista à BBC.

Numa conversa sobre a realidade internacional com Donald Trump na Casa Branca, o homem que negociou o acordo nuclear com o ex-secretário de Estado americano, John Kerry, lembra que Teerão está habituado a viver sob pressão. “Não é como se estivéssemos a evoluir de umas relações muito amistosas para uma relação hostil. A política dos Estados Unidos em relação ao Irão nunca foi amistosa nos últimos 38 anos, tem sido sempre hostil”, diz Zarif à veterana correspondente internacional da emissora pública britânica, Lyse Doucet.

Nos seus primeiros 100 dias na Casa Branca, Trump já fez aprovar novas sanções financeiras contra Teerão, em resposta a um ensaio balístico com mísseis de médio alcance, logo depois de o conselheiro para a Segurança Nacional, Michael Flynn (que Trump entretanto demitiu) ter posto o Governo iraniano de “sobreaviso”. “O Irão está a brincar com o fogo – parece que ainda não se deu conta de como o Presidente Obama foi ‘bonzinho’. Mas eu não”, escreveu o Presidente americano na sua conta de Twitter quando as sanções foram anunciadas.

Zarif aconselha “prudência” a Washington. “Não acredito que se as pessoas olharem para a nossa história, para as nossas capacidades, alguma vez tomem a decisão de se envolver nessa desventura”, diz. A Administração de Barack Obama, defende o diplomata, “chegou a um acordo nuclear com o Irão por não ter alternativa”; antes, recorda, “tentou da forma mais severa, através das chamadas sanções incapacitantes”.

Quanto à decisão de realizar o teste de mísseis no novo ambiente internacional, o ministro iraniano justifica um ensaio com “meios defensivos” de um “Estado soberano” que se vê obrigado a estar sempre pronto a defender-se. “O nosso povo não esquece que esteve a ser bombardeado e toda a gente estava a prestar assistência ao agressor e ninguém, absolutamente ninguém, nos deu sequer os meios mais rudimentares de defesa”, lembra, numa referência à guerra Irão-Iraque, entre 1980 e 1988.

As complexas relações regionais do Irão, que historicamente disputa a hegemonia no Médio Oriente com os sauditas, só tendem a deteriorar-se, agora que em Washington deixou de estar uma Administração com vontade de diálogo. Durante o fim-de-semana, a Arábia Saudita pediu que o Irão seja punido por desenvolver mísseis balísticos e por apoiar os rebeldes do Iémen envolvidos numa guerra civil contra o Governo (apoiado por Riad, que lidera uma operação militar no país).

Teerão “continua a ser o maior patrocinador de terrorismo no mundo”, disse o ministro dos Negócios Estrangeiros saudita, Adel al-Jubeir, aos delegados reunidos na Conferência de Segurança de Munique. A “comunidade internacional”, defendeu Jubeir, tem de estabelecer “linhas vermelhas” para travar as acções iranianas.

Questionado sobre as opções que os sauditas ou outros na região possam considerar, Zarif sublinhou que “de acordo com a lei internacional, essas opções são uma violação da lei internacional” – “não estamos a falar da lei da selva, estamos a falar da lei internacional”. E deixou mais um aviso: “Aconselho-os não só a respeitar a lei internacional mas também a não se envolverem em problemas”.

Trump e os republicanos sempre foram críticos do acordo assinado entre o Governo de Hassan Rohani e o de Barack Obama que introduziu um sistema de inspecções ao programa nuclear iraniano (segundo Obama, suficientes para impedir que Teerão tenha algum dia a bomba atómica) e permitiu levantar as sanções internacionais impostas ao Irão. O “conselho” de Zarif é que se olhe para o documento negociado e se perceba que “é um acordo razoável”. “Não tem tudo o que eles queriam nem tudo o que nós queríamos”, diz. “Acredito que se a anterior Administração tivesse outras opções tê-las-ia exercido.”

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