“Indignados” voltam a encher a Porta do Sol de Madrid

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A grande maioria dos manifestantes que encheram a praça do centro de Madrid apresentou-se sem farda nem cartaz Paul Hanna/Reuters

“É a beleza do 15M, ninguém te pergunta nada, só o teu nome e passas logo a ser mais um”, resumia ao final da manhã Bene Llambra, psicólogo de 60 anos, membro das comissões Respeito e Informação do movimento 15M, assim chamado por ter nascido a partir um protesto realizado a 15 de Maio do ano passado na Porta do Sol de Madrid.

Bene assegurava de que dali a umas horas haveria uma multidão na praça-símbolo do movimento. Tinha razão. Às 20h00 (menos uma hora em Lisboa) começaram a soar aplausos à medida que as diferentes marchas iam chegando. “De Norte a Sul, de Leste a Oeste, a luta continua, custe o que custar”, cantou-se.

Em coordenação com os Occupy norte-americanos, os “indignados” espanhóis decidiram celebrar o seu primeiro aniversário a 12 de Maio, dia de “Primavera global” ou “Maio global”. Mas em Madrid o 12M só acaba a 15 e vai ficar na rua até terça-feira com debates, postos de informação e concertos. Os pontos de encontro são as mesmas dez praças de onde este sábado saíram as marchas em direcção ao Sol.

“Eu não estive na greve geral”, de 29 de Março, afirma Silvia, 29 anos, há seis meses no desemprego, que veio até Madrid de um pequeno município no Leste da cidade. “A mim os sindicatos não me representam. Mas o 15M sim, gente de todas as idades, sexos e cores. Aqui não há bandeiras, há pessoas.”Um casal passa com o filho num carrinho: “Tenho um ano e já fui a sete manifestações, alguma coisa está mal”, lê-se no cartaz preso por cima da cabeça do bebé.

Os cartazes são muitos, os gritos também. A manifestação foi marcada com um slogan global, “Não somos mercadoria nas mãos de políticos e banqueiros”, mas, como há um ano, as palavras de ordem podem ser quase tantas como os manifestantes.

“Não há pão para tanto chouriço”, ouve-se. “Incapaz ou falso, que se vá Rajoy”, lê-se, numa mensagem dirigida a Mariano Rajoy, primeiro-ministro desde as legislativas de Novembro, quando o Partido Popular, de direita, venceu com maioria absoluta.

“Não, não, não nos representam”, grita-se uma e outra vez, numa palavra de ordem que repete o tema que se tornou numa das bandeiras do 15M – a lei eleitoral, que os manifestantes de 2011 e de 2012 querem ver mudada, pedindo maior proporcionalidade e listas abertas. “Cada voto vale o mesmo”, lê-se noutro cartaz.

Um ano depois, as razões para o protesto “são as mesmas e mais fortes”, sublinha Silvia. “Esta não é uma crise económica, é uma crise social. A nossa democracia não é representativa. Ou votas PP ou votas no Partido Socialista, ou é branco ou é preto. Estamos fartos de que nos roubem, não só em Madrid, mas em todo o mundo.”

Para Silvia, vale a pena sair à rua e só é pena que não se saia mais. “Devíamos vir todos os sábados, até conseguirmos algo.”Bituca, administrativa numa empresa privada de 52 anos, e Jesus Pereira (com bisavós portugueses), 55 anos, vieram à Porta do Sol “pressionar os políticos”. “É preciso lembrar-lhes muitas vezes que o poder não é deles, é nosso, fomos nós que lhe demos o poder que têm”, diz Bituca.

Jesus enumera os cortes orçamentais dos últimos meses na educação e na saúde, a seguir os aumentos nos transportes e nas propinas universitárias, e afirma que “há um claro retrocesso na direcção do franquismo”. “Não podemos perder todos os benefícios que conseguimos nos últimos 30 anos. Com [a ditadura de] Franco a vida era duríssima, mas estes que estão no poder agora ainda não se esqueceram”, diz. “São os seus netos”, acrescenta Bituca.

A grande maioria dos manifestantes que encheram a praça do centro de Madrid apresentou-se sem farda nem cartaz. As T-shirts amarelas com um sol de longos raios laranjas identificavam os membros do 15M, as assembleias de bairro que o protesto de há um ano revitalizou trouxeram faixas, muitos professores e alunos envergaram T-Shirts verdes – a “maré verde” foi uma das vagas de contestação nascidas nos últimos meses, em nome de uma educação pública de qualidade.

Muitos trouxeram balões coloridos. O que se via mais alto era um Sol onde alguém escreveu “Somos os 99%”, o slogan popularizado pelos Occupy norte-americanos, o movimento que começou em Setembro quando um grupo de manifestantes acampou no Parque Zuccotti de Nova Iorque, a três quarteirões de Wall Street, em protesto contra o poder dos bancos.
Em Madrid, o dia era de marcha e manifestação – “os acampamentos são ilegais”, avisara já em Abril o Governo, nas palavras do ministro do Interior, Jorge Fernandéz Días.

Mas perto da meia-noite milhares de pessoas ainda enchiam a Porta do Sol – e as carrinhas da polícia estacionadas à porta da sede do município, na praça, permaneciam no lugar, assim como os dois helicópteros que desde manhã se fizeram ver e ouvir por cima do centro da cidade. À meia-noite, cumpriu-se um planeado minuto de silêncio. A seguir gritou-se, uma vez mais, “O povo, unido, jamais será vencido.”

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