Índia, um novo poder global

É um aliado quase natural que devemos preservar num mundo cheio de insegurança e imprevisibilidades e numa região extremamente volátil e perigosa, que inclui o Afeganistão e, essencialmente, o Paquistão.

Nem mesmo cimeiras europeias triunfalistas e aparatosamente mediáticas conseguem apagar a realidade de que a União Europeia (UE) vegeta economicamente enquanto a maior parte do mundo cresce vibrantemente. Por outro lado, enquanto o mundo se concentra na meteórica ascensão da China, não se compreende que esse país é apenas um exemplo precursor de uma tendência de fundo, de uma miríade de grandes, médias e pequenas nações que emergirão enquanto a Europa perde influência. Neste contexto de fundo, um país é particularmente subvalorizado pela desatenta e míope perceção ocidental – a Índia.

Esta nação é a segunda do mundo no plano populacional, mas dentro de cinco anos ultrapassará a China e tornar-se-á no país mais populoso do planeta. Mesmo neste momento a população da Índia eleva-se já a quase quatro vezes o número de cidadãos de todos os países da Zona Euro juntos. De resto, num planeta com cerca de 200 nações, dois países (China e Índia) contêm 36% da humanidade. O seu peso global será incontornável e avassalador. Desde 1950, o aumento (apenas o aumento) da população da Índia é aproximadamente o dobro de toda a população da UE. Enquanto na União Europeia a população com idade inferior a 15 anos é inferior à que se situa acima dos 65, na Índia a população com menos de 15 anos é quase cinco vezes superior à população com mais de 65 anos. A idade média do país é de apenas 28 anos enquanto é de 43 na UE. A Índia tem uma juventude pujante enquanto a Europa encolhe e envelhece. Serão estes aspetos meras curiosidades estatísticas? Não, não nos iludamos. Estes são, entre muitos outros, dados que revelam gigantescas mudanças no (nosso) futuro.

Na Índia a rede de estradas possui um comprimento total que corresponde a cerca de 10 vezes a distância entre a Terra e a Lua. Existem 253 aeroportos pavimentados e caminhos-de-ferro com uma extensão que equivale a 1,5 vezes o perímetro da Terra. Todavia, as infraestruturas da Índia encontram-se envelhecidas e saturadas. A Índia irá, nos próximos anos, realizar um enorme investimento na renovação e amplificação dessas infraestruturas, num dos maiores programas de investimento a que o mundo assistirá, num valor equivalente a sete vezes o PIB de Portugal.

As transformações que a Índia desenvolverá decorrem da sua nova capacidade financeira e do seu potencial económico de crescimento. É verdade que se trata de uma nação com cidades caóticas cujas infraestruturas entraram há muito em colapso sob o peso de uma população explosiva. Quer Deli quer Mumbai possuem duas vezes a população de Portugal. Trata-se de escalas completamente diferentes das europeias. A pobreza afeta ainda uma larga parte da população indiana, o que é mais crítico nas cidades do que nos meios rurais. Mas em pouco anos formou-se uma classe média em fulgurante aumento, que já ultrapassa toda a população da UE. A ascensão deste novo mercado de grande dimensão está ainda no seu início. É impressionante, mas o mais espetacular ainda estará para surgir. O impacto mundial será substancial.

Enquanto a economia da Zona Euro comparativamente estagna durante anos, a economia da Índia cresceu 7,6% em 2016. Em 2030 será a terceira maior economia do mundo, após a China e os Estados Unidos, e representará 28% dos trabalhadores do planeta. O poder mundial desvia-se para a relação entre os Estados Unidos e a Ásia. Entretanto a Europa representa, actualmente, menos de metade da quota que já deteve na economia mundial e nos próximos anos poderá perder quase metade da quota que ainda detém. É a queda do poder económico europeu no mundo.

A Índia ainda carece de racionalização em muitos sectores da economia. O comércio de retalho é ridiculamente atrasado, os bancos e os seguros são ineficientes. Sim, as ruas são a personificação do caos. Mas a Índia é uma das grandes potências científicas e tecnológicas do mundo em múltiplos sectores. Possui dois programas espaciais e é uma potência nuclear. A Índia controla já 2/3 do mercado internacional de serviços de software. São empresas indianas que controlam marcas emblemáticas europeias como os automóveis Jaguar e Rover. Empresas como o grupo Tata, a Infosys ou a Wipro emergem como potências económicas de nível global.

Num planeta que, dentro de décadas, se debaterá com problemas para alimentar a população global, a Índia, apesar da sua enorme população, sabe que mais de metade da sua superfície é terra arável, detendo um grande potencial de produção alimentar. As cidades crescem demograficamente na confusão, mas simultaneamente erguem-se, de raiz, grandes cidades totalmente novas. Por exemplo, Gurgaon é uma massa enorme que cresce do nada, com uma modernidade impressionante, onde encontramos as sedes regionais (Índia e Ásia) de quase todos os grandes nomes da economia global, como a IBM, a Nestlé ou a Microsoft.

A Índia é uma peça fulcral da segurança na Ásia e no mundo, muto mais do que possa parecer à opinião pública. É um aliado quase natural que devemos preservar num mundo cheio de insegurança e imprevisibilidades e numa região extremamente volátil e perigosa, que inclui o Afeganistão e, essencialmente, o Paquistão que considero o maior perigo potencial do mundo atual, pela possibilidade de controlo por extremistas no futuro. O Paquistão e a Índia odeiam-se. São potências militares nucleares. Um súbito ataque nuclear do Paquistão contra a Índia, com apenas três bombas nucleares sobre determinados alvos específicos, provocaria um contra-ataque indiano e em poucas horas poderiam registar-se mais de cinco milhões de mortos. O que se seguiria seria muito pior e o mundo mergulharia em ondas de choque noutras regiões.

Apesar das contradições que a Índia revela, entre a pobreza e o forte avanço científico e tecnológico, entre áreas de atraso e domínios de prestígio e influência mundiais, esta nação é, de qualquer modo, um dos mais poderosos pilares da economia e do poder mundiais das próximas décadas e deste novo século. Obviamente, perante estas vibrantes transformações que mudam radicalmente o mundo, parece algo patético e provinciano o nível das questiúnculas que deslumbram políticos em Bruxelas ou no nosso parlamento, bem como a maioria dos jornais e televisões. Percebe-se facilmente por que motivos a Europa declina neste novo mundo em ascensão fulgurante.

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