Imprensa, um inimigo conveniente para Trump?

Administração impede acesso a briefing de jornalistas de alguns meios de comunicação depois de Presidente discursar contra jornalistas

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Havia uma promessa de que Trump não seguiria a prática de cortar acesso aos media quando depois de tomar posse Yuri Gripas/REUTERS

A animosidade entre a Administração de Donald Trump e a imprensa atingiu um novo patamar, com o porta-voz da Casa Branca, Sean Spicer, a impedir o acesso de alguns media a um briefing e o Presidente a dizer num discurso que os jornalistas eram “inimigos do povo” – “apenas os desonestos”, especificou.

“Nunca aconteceu nada semelhante na Casa Branca na nossa longa história de cobrir várias administrações de vários partidos”, reagiu o director do New York Times, Dean Baquet. O jornalista do New York Times foi, junto com o Buzzfeed, a CNN, o Los Angeles Times, Politico, BBC, Guardian e Huffington Post, impedido de ter acesso ao briefing – que na agenda do porta-voz tinha sido alterado de um briefing diário normal, para as câmaras, para uma sessão sem câmaras. Os jornalistas da Associated Press e da Time foram convidados a entrar mas recusaram, em solidariedade com os que não puderam entrar.

O briefing realizou-se para jornalistas da ABC, CBS, Wall Street Journal, Bloomberg, e dos conservadores Fox News e Washington Times, One America News e o site Breitbart (que é basicamente uma plataforma da direita radical e racista).

A ocasião não era muito importante – o Washington Post, por exemplo, nem tinha deslocado um jornalista – mas o sinal foi forte.

“É um caminho não democrático que a Administração está a seguir”, disse Marty Baron, director do Washington Post.

Marca de autoritarismo

O próprio Sean Spicer declarou numa entrevista ao Politico, em Dezembro, antes de assumir o cargo de porta-voz da Casa Branca, que a prática de o empresário cortar acesso a alguns meios de comunicação não iria ser nunca seguida quando este tomasse posse como Presidente: “Temos respeito pela imprensa quando se trata de Governo, não se pode banir uma entidade de ter acesso”, disse. “Acho que é isso que define uma democracia por oposição a uma ditadura”.

O episódio da selecção de quem podia assistir ao briefing sucedeu-se a um discurso de Donald Trump na Conferência de Acção Política Conservadora (CPAC, na sigla em inglês), perto de Washington, esta semana, em que este fez um rol de acusações aos media, desde "não dizerem a verdade" a "não representar o povo". "E vamos fazer algo quanto a isso", prometeu.

Já depois, no Twitter, Trump continuou o seu discurso contra os media que são “um perigo para o país”, destacando o New York Times e a CNN.

Trump continua a usar o termo “notícias falsas” para media credíveis como o New York Times e a CNN. O seu conselheiro Steve Bannon (que ganhou importância no site Breitbart) também disse na conferência que os conservadores se devem preparar para uma “luta” sem fim com os media. Numa entrevista ao New York Times em Janeiro, Bannon disse que os media eram "o partido da oposição" e que "deviam calar a boca".

A retórica tem alarmado muitos. Porque, como disse o próprio Spicer em Dezembro, há liberdades em relação à imprensa que distinguem regimes democráticos de outros. Segundo, como aponta Lawrence Douglas, professor de Direito e Pensamento Social na Faculdade de Amherst (Massachusetts) num artigo no Guardian, transformar os adversários em inimigos é uma característica de dirigentes autoritários: “Com a oposição, é preciso lidar com ela e convencê-la; os inimigos devem ser isolados e esmagados”, escreveu. Muitas vezes é um pequeno passo até que os inimigos se transformem em criminosos, concluiu.  

Porquê agora?

Por que é que a Administração escalou a sua “guerra” com os media justamente agora?

A explicação mais citada é ter acabado de rebentar um caso complicado: o das conversas entre a Administração e o FBI por causa das fugas de informação em relação à Rússia, com a Casa Branca a tentar ter vozes do FBI a desmentir notícias sbre a questão. Como diz o diário britânico The Guardian, “alguns repórteres veteranos notaram que a Casa Branca conseguiu tirar o tópico” no topo das agendas noticiosas.

Entre os órgãos de comunicação social afastados do briefing estavam justamente dois dos media que noticiaram a questão e a aprofundaram: a CNN e o New York Times

Ironicamente, depois de o Presidente ter passado parte do discurso a criticar o uso de fontes anónimas por jornalistas e acusar os repótrteres de inventarem fontes para fazer as acusações que querem, era a própria Casa Branca que desmentia a notícia dos contactos com o FBI... pedindo o anonimato.

Por outro lado, diz um artigo no site Vox, há outras razões para criar um inimigo: os democratas – em minoria em ambas as câmaras do Congresso – estão demasiado fragilizados para serem um antagonista credível. E com o seu primeiro grande discurso ao Congresso a aproximar-se e pouco mais de um mês no cargo, o Presidente Trump não tem ainda nenhum sucesso: a sua principal medida, a controversa ordem de impedir a entrada a pessoas de uma lista de países, está suspensa enquanto é analisada pelos tribunais.

Assim, nada como um combate para revigorar apoios. E é no estilo de confronto que Trump costuma estar no seu elemento.

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