Igreja de Inglaterra protegeu ex-bispo que abusou sexualmente de 18 rapazes

Peter Ball foi condenado em 2015 a 32 meses de prisão, mas durante 20 anos conseguiu escapar às investigações com a ajuda da igreja, de ministros e de "um membro da família real", segundo a acusação.

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As primeiras denúncias surgiram em 1993 Cathal McNaughton/Reuters

Um antigo bispo inglês que espancava rapazes e os obrigava a serem baptizados nus foi protegido durante quase 20 anos pela liderança religiosa da Igreja de Inglaterra, revela um relatório independente divulgado esta quinta-feira.

Peter Ball, actualmente com 83 anos, foi condenado em 2015 a 32 meses de prisão por ter conquistado a confiança de pelo menos 18 jovens com o objectivo de abusar sexualmente deles. Cumpriu metade da pena e saiu em liberdade em Fevereiro passado.

A primeira denúncia foi feita em 1993 por uma das vítimas, Neil Todd. Mas o testemunho do jovem, então com 18 anos, foi desacreditado. Por essa altura, Todd já tinha tentado cometer suicídio três vezes, e acabou por suicidar-se em 2012, logo após a abertura do inquérito que viria a culminar na condenação do antigo bispo, em Outubro de 2015.

Entre a primeira denúncia, em 1993, e a abertura do inquérito final, em 2012, Peter Ball escapou a uma acusação formal graças à cumplicidade do topo da Igreja de Inglaterra, de vários membros de governos e de pelo menos um juiz do Supremo Tribunal, denunciou a acusação durante o julgamento – na lista das personalidades que escreveram cartas e fizeram telefonemas para pressionarem as autoridades a não investigarem as acusações está um membro da família real. Nenhum nome foi revelado.

Depois das primeiras denúncias, em 1993, Peter Ball foi admoestado pela polícia e renunciou à sua posição na Igreja de Inglaterra, mas até 2007 foi director de 17 escolas públicas. Durante esse período, entre 1993 e 2007, viveu numa casa arrendada numa das propriedades do Príncipe de Gales, de quem se gabava de ser amigo – apesar da ligação, nem o julgamento nem a investigação independente sobre a actuação da Igreja de Inglaterra encontraram indícios de que o príncipe Carlos tenha pressionado as autoridades a largarem as investigações.

No relatório apresentado esta quinta-feira, o actual arcebispo de Cantuária (líder religioso da Igreja de Inglaterra) admite que "a igreja agiu em conluio e ocultou em vez de tentar ajudar os que foram suficientemente corajosos para fazerem as denúncias".

"É um comportamento indesculpável e chocante", disse Justin Welby, que foi nomeado arcebispo de Cantuária em Fevereiro de 2013. "Aos sobreviventes que tiveram coragem para partilhar as suas histórias e levar Peter Ball perante a Justiça, peço mais uma vez desculpa sem reservas. Não há desculpa nenhuma para o que aconteceu e para o sistémico abuso de confiança perpetrado por Peter Ball ao longo de décadas", disse o responsável.

Os abusos que levaram à condenação do antigo bispo ocorreram entre 1977 e 1992 e as vítimas tinham entre 17 e 25 anos de idade. Nessa altura, Peter Ball era visto como uma inspiração para os jovens que procuravam ajuda espiritual na Igreja de Inglaterra – depois de conquistar a confiança dos rapazes que marcava para abusar, o bispo espancava-os e obrigava-os a serem baptizados nus ou a ficarem sem roupa perante uma imagem de Jesus Cristo no altar. Uma das vítimas disse mais tarde que Peter Ball era visto como "um santo".

A pressão para investigar as acusações contra Peter Ball só teve resultados em 2012, e após a sua condenação, em 2015, o arcebispo de Cantuária pediu uma investigação independente apenas sobre a forma como a hierarquia religiosa se comportou durante os últimos 20 anos.

O resultado dessa investigação, divulgado esta quinta-feira, não poupa críticas à igreja anglicana: "Há poucos indícios de compaixão para com Neil Todd, apesar de ter ficado claro desde o início que ele era um jovem vulnerável que tinha sido abusado."

"A igreja mostrou-se mais interessada em proteger-se a si própria", denuncia a autora do relatório, Moira Gibb. A mesma responsável sublinha que os abusos cometidos por Peter Ball "são chocantes, mas a sua gravidade é amplificada pelo falhanço da igreja em responder de forma apropriada ao seu comportamento inaceitável ao longo de um período de vários anos".

Num documento em que também acusa a actual liderança religiosa da Igreja de Inglaterra de não fazer reformas com a velocidade desejada, Moira Gibb termina com uma acusação sem reservas: "A prioridade de Peter Ball foi proteger-se e promover-se a ele próprio enquanto difamava as vítimas de abusos. A igreja agiu em conluio em vez de ajudar as vítimas e de garantir a segurança de outros."

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