Hora da verdade para a Europa

O acordo de livre-comércio com os EUA conhecido por TTIP, parece-me, morreu na terça-feira.

Os americanos elegeram Trump, e terão trumpismo. Assim deve ser. A escolha do povo tem de ser respeitada e as eleições devem ter consequências, mesmo que Hillary Clinton tenha tido mais votos, porque a constituição dos EUA protege (e bem) os estados menos populosos na distribuição de mandatos. Os EUA devem ter uma transição normal, seguida (espero eu) por uma oposição vigorosa ao novo presidente.

Mas para a Europa estes não são tempos normais. Estas são eleições de outro país, com outros eleitores. Mas algumas das piores consequências serão vividas por nós. Lembram-se de quando Bush Jr. nos arrastou para uma Guerra do Iraque que os europeus não queriam? Trump é pior do que isso.

Trump representa um regresso à política de blocos da Guerra Fria — um presidente dos EUA cujo principal interlocutor está no Kremlin (a quem deve favores) e que com Putin tomará decisões por cima da cabeça dos europeus. O primeiro sinal veio durante a campanha: Trump reconhecera na prática a anexação da Crimeia, dando luz verde à ideia de que no continente europeu as disputas territoriais podem voltar a resolver-se pela força. Só isso já é suficiente para virar as últimas décadas da nossa história de cabeça para baixo.

Mas Trump poderá ir mais longe. Abundam na história exemplos de acordos por debaixo da mesa — ou tratados com cláusulas secretas — reconfortando ditadores nas suas opções geopolíticas. Putin quer uma esfera de influência na Europa, e Trump não se incomoda com isso. Se há lugar onde é desconfortável estar a partir desta semana, esse lugar é o dos países bálticos, que pertencem à UE e à NATO mas cuja integridade territorial não estará assegurada no futuro.

Tudo isto ainda é pouco quando comparado com a distância existencial que existe agora entre a Europa e os EUA. Para dizê-lo de uma forma simples: acabou a história do “líder do mundo livre”. A Europa partilha poucos interesses e menos valores com a nova administração americana. Trump será presidente dos EUA, não um amigo da UE e muito menos o nosso líder — e nós, cidadãos da União Europeia, devemos tirar as devidas consequências.

Comecemos por algo simples e quase invisível: os acordos de partilha de dados financeiros com os EUA. Votei sempre contra eles quando estive no Parlamento Europeu. Quando me perguntavam se não confiava em Obama, respondia: e quem vier depois? A UE deve estar preparada para denunciar esses acordos: este Presidente Trump, com um FBI em roda livre, não pode ter acesso à informação financeira dos cidadãos e das empresas europeias. O acordo de livre-comércio com os EUA conhecido por TTIP, parece-me, morreu na terça-feira. E a União Europeia tem de condicionar qualquer cooperação com os EUA à adesão aos valores da democracia e do estado de direito — Merkel fez questão de sublinhar esse óbvio na sua mensagem sobre a eleição de Trump, e fez muito bem.

E depois, há a grande questão — a NATO. A UE não tem possibilidades, por agora, de substituir a NATO, mas não pode fingir que tudo continua na mesma. No mínimo, vai intensificar-se o debate pela criação de um quartel-general militar europeu, não vá acontecer a nova administração americana bloquear os europeus na defesa dos seus próprios interesses.

Sei que muita gente na Europa torce para que a vaga trumpista regresse ao nosso continente para aqui acabar de destruir a UE. Quem assim pensa passou a ser, no atual contexto, um aliado objetivo de Trump e Putin pelo regresso ao que os ideólogos russos chamam de Yalta 2.0, por referência à cimeira em que a Europa foi dividida entre os grandes poderes. Esse seria o destino menos soberano em muitas décadas para qualquer país europeu, — especialmente os países médios e pequenos.

Para quem valorize realmente a soberania, o caminho a seguir é o de lutar pela construção de uma Europa mais unida na base da democracia, do Estado de direito, dos direitos humanos, da prosperidade partilhada e do respeito pelo planeta. Sou aliado de quem queira fazer esse caminho contra Trump e os seus imitadores na Europa.

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