Hollande promete fechar Calais mas realojar os ocupantes será a parte difícil

Em pré-campanha, Presidente diz que campo será encerrado "até ao final do ano". Direita mobiliza-se, no entanto, contra a criação de milhares de vagas em centros de acolhimento espalhados pelo país.

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Hollande visitou Calais pela primeira vez, , quase quatro anos e meio depois de ter tomado posse Thibault Vandermersch/Reuters

Em fim de mandato e com os dois olhos postos já nas eleições do próximo ano, o Presidente francês visitou pela primeira vez Calais, cidade fronteiriça que é há anos o palco de uma crise humanitária e de segurança. Sem entrar no campo onde se acotovelam entre sete a dez mil imigrantes e refugiados, François Hollande comprometeu-se a “desmantelar completa e definitivamente” o amontoado de tendas e barracões “até ao final do ano”, enviando para centros de acolhimento quem ali vive.

A visita do chefe de Estado, quase quatro anos e meio depois de ter tomado posse, aconteceu cinco dias depois de o ex-Presidente Nicolas Sarkozy ali ter estado pela segunda vez. Já em plena campanha para as primárias que decidirão quem será o candidato da direita ao Eliseu, Sarkozy voltou a empunhar o bastão securitário, assegurando que se vencer as presidenciais, previstas para Abril ou Maio, irá fechar o acampamento de Calais “até ao fim do Verão”. Garantiu também que irá repor o controlo das fronteiras para que França não seja “submersa” por imigrantes.

Com o futuro do campo e o realojamento dos que ali vivem a desenhar-se como um dos temas quentes da campanha – terreno fértil à direita e sobretudo à extrema-direita –, o líder socialista viu-se obrigado a recuperar a iniciativa e, ao mesmo tempo, tomar distâncias em relação aos seus adversários.

O campo é para fechar nos próximos meses, como já tinha anunciado o ministro do Interior, Bernard Cazeneuve, e “o Governo irá até ao fim” para cumprir a promessa, garantiu Hollande, depois de elogiar as forças policiais e reconhecer a “situação de segurança particularmente difícil” da população da cidade. Não explicou como evacuará o acampamento, com uma população que continua a aumentar, nem se irá ser usada força para despejar os que recusem ser instalados noutros locais. Disse apenas que está será “operação forçosamente excepcional porque a situação é excepcional.”

Explicou também que o fecho do campo exige que “as autoridades britânicas assumam a sua parte do esforço humanitário”, a começar pela reinstalação de menores desacompanhados. O Governo britânico já autorizou 70 crianças e adolescentes que viviam em Calais a reunir-se com familiares, mas as associações sublinham que ainda ali estão outros 900 menores sozinhos. 

É para o Reino Unido que os milhares de pessoas que vivem em condições miseráveis no campo querem ir e é para fintar o cada vez mais complexo esquema de segurança que centenas continuam todos os dias a arriscar a vida – 12 morreram desde o início do ano a tentar entrar em camiões ou no comboio que faz a travessia. A decisão do Reino Unido de abandonar a UE veio lançar uma sombra sobre o acordo de Touquet, que transferiu a fronteira para Calais e obrigou Londres a co-responsabilizar-se pelo patrulhamento policial, mas o governo britânico garante que quer manter o esquema inalterado e está a financiar a construção de um muro de betão “anti-intrusão” ao longo da estrada que dá acesso à zona dos ferries.

Valores da República

Mas se tem de mostrar mão forte, o líder socialista está também obrigado a mostrar-se diferente de Sarkozy e mais ainda de Marine Le Pen, a líder da Frente Nacional a quem as sondagens dão como favorita na primeira volta das presidenciais. O seu Governo, afirmou, quer fechar o campo “distanciando-se tanto quanto possível das instrumentalizações e das polémicas daqueles que querem voltar as costas ao princípio dos valores da República”.

Explicou que a intenção é realojar as sete a dez mil pessoas “em verdadeiros centros de abrigo, com capacidade para 40 a 50 pessoas”. “É isso que é digno, é isso que significa a França ser firme com os seus deveres.” O líder socialista entende que expulsar simplesmente os migrantes de Calais mais não faria do que “multiplicar os acampamentos pelo país”.

Mas é precisamente o plano de realojamento que está a gerar polémica, sobretudo depois de Cazeneuve ter anunciado a criação de 12 mil vagas em centros de acolhimento temporários espalhados pelo país. Para Sarkozy e os seus aliados, o Governo vai criar “mini-Calais” pelo país, disseminando a tensão agora concentrada junto à fronteira, e algumas cidades mobilizam-se já contra a possibilidade de vir a acolher parte dos realojados – no fim-de-semana centenas de pessoas manifestaram-se em Versalhes, nos arredores do Paris, empunhando cartazes onde se lia “Não aos imigrantes” e “Não a acampamentos de imigrantes”.

Por seu lado, as associações saúdam a intenção de retirar os migrantes da situação de miséria em que se encontram, alojando-os em centros criados para o efeito. Sublinham, no entanto, que muita gente já arriscou demasiado, incluindo a vida, a tentar entrar no Reino Unido. “E os que se recusarem partir? Se duas mil pessoas pessoas fugirem do campo, o que vai acontecer? Não queremos que voltem a espalhar-se mini-acampamentos pela região”, disse à AFP Franck Esnée, responsável da organização Médicos Sem Fronteiras no acampamento.  

 

 

 

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