Hillary Clinton virou tudo ao contrário

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Sábia, Hillary Clinton virou tudo ao contrário. A 20 meses para as presidenciais americanas, Hillary começou a campanha reinventando-se a si própria e, pelo caminho, reinventando a forma de comunicar em campanha. Na vida pública desde 1979, ela sabe que o passado lhe traz forças mas também fraquezas. As mudanças deste arranque impressionam. Uma coisa que Hillary aprendeu com a derrota das primárias de 2008 é que tem de pedir o voto dos americanos com humildade. Agora, não está a fazer comícios em centros de convenções cheios de apoiantes e bandeiras, mas escolheu um pequeno carro e pára, sem pré-aviso, em cafés, bombas de gasolina, restaurantes de estrada ou “cidades” que parecem bairros.

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Hillary Clinton conversa num café de LeClaire, no Iowa, esta terça-feira, com residentes locais Rick Wilking/Reuters

Nesta imagem, Hillary conversa num café em LeClaire, no Iowa, conhecida na região pelo jogo da corda anual, o momento em que, de cada uma das margens do Mississípi, 1500 habitantes puxam de um lado e os outros 1500 puxam do outro. Em 2008, Hillary gritava de forma estridente: “Eu estou na corrida para ganhar!” Agora, diz, suavemente, frases como “espero que você se junte a mim”. Esta foi a primeira lição que Hillary tirou do passado.

A segunda é centrar-se na classe média — pode parecer um cliché, pois não há candidato a Presidente americano que não fale sem parar da middle class. Essa foi uma das mensagens fortes de Obama e foi a eles que o “Presidente da mudança” dedicou o seu primeiro gesto político quando chegou à Casa Branca: criar uma task force multidisciplinar dentro do Governo para melhorar a vida das “famílias da classe média”. Esta segunda lição de Hillary está inteira no pequeno vídeo de início da sua campanha. O vídeo é banal e tem aquele politicamente correcto descarado que só os americanos aguentam: o casal branco, o casal misto, o casal negro, o casal gay masculino e o casal gay feminino (o que o fez ser classificado “para adultos” numa televisão russa), a jovem asiática, o rapaz solteiro, os irmãos latinos, o campo e a cidade, casais velhos e casais novos e até, não estou a brincar, uma família que tem um cão e outra que tem um gato. O Vox diz que a “realização é fascinante” e que o vídeo é “surpreendentemente corajoso”. O vídeo tem a força de romper com a clássica demonstração das qualidades do candidato. Aparentemente, não é centrado em Hillary. Os vários “tipos” de americanos vão-se sucedendo e dizendo o que vão fazer no futuro — para o ano, vou abrir uma empresa, vou mudar de cidade, vou reformar-me, vou casar. Hillary só aparece no fim e diz que se vai candidatar. O slogan “quero ser a vossa campeã” soa terrivelmente mal aos nossos ouvidos europeus, que pedem mais modéstia e menos autoconvencimento. Também soa mal porque sabemos que é estratégia pura de alguém que perdeu em 2008 por ter entrado na corrida com aura de invencível e não ter sabido chegar às pessoas. Mas que soa melhor do que qualquer um dos vídeos deste início de corrida, aí, sim, Hillary já tem, pelo menos, o prémio Hollywood.

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