Governo britânico dá pistas para se livrar do Tribunal de Justiça da União Europeia

Relatório lista acordos assinados pela União Europeia em que não é exigido o reconhecimento da jurisdição deste tribunal sobre outros países.

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Theresa May fez uma promessa, e agora tem dificuldade em cumpri-la Jack Taylor/REUTERS

Theresa May terá apenas fingido manter a promessa, cara aos apoiantes do “Brexit”, de que o Reino Unido conseguirá fazer as suas próprias leis, sem ter de se subordinar aos ditames do Tribunal de Justiça da União Europeia, após deixar a União Europeia, em Março de 2019?

É o que diz a oposição, em resposta ao relatório divulgado nesta quarta-feira pelo Governo britânico e que apresenta vários acordos assinados pela União Europeia em que não é exigido o reconhecimento da jurisdição deste tribunal sobre outros países.

Este documento é visto como uma forma de encorajar a Comissão Europeia a ser mais flexível nas negociações. “Nós vamos reassumir o controlo sobre as nossas leis”, assegurou Theresa May, em declarações à imprensa, negando as sugestões da oposição de que tinha aligeirado as suas exigências, abrindo as portas à possibilidade de uma “influência indirecta” do Tribunal de Justiça da União Europeia, a mais alta instância da UE.

Este tribunal tem competência para decidir se as instituições da UE estão a agir de forma legal e se os Estados da União estão a cumprir as suas obrigações. Interpreta a lei da UE a pedido dos tribunais de cada Estado-membro. No conjunto das suas competências, acaba por ser a instituição que interpreta e aplica as regras do Mercado Único e de toda a legislação da UE. Empresas estrangeiras — americanas ou japonesas, por exemplo — que queiram operar na UE têm de se submeter às regras do Mercado Único. As britânicas, após o "Brexit", teriam de cumprir os mesmos requisitos. E como este tribunal interpreta e aplica as leis que regem as instituições europeias, se o Reino Unido quiser premanecer na Agência Europeia do Medicamento, ou Agência Europeia de Segurança Aérea, por exemplo, acabará por ter de aceitar a sua autoridade. 

Theresa May, no congresso do Partido Conservador de Outubro de 2016, declarou que o Reino Unido não deixaria a UE para regressar à jurisdição deste tribunal, tornando este um tema fulcral do “Brexit”. Mas tudo poderá não passar de uma questão de semântica.

A posição assumida pelo Governo britânico – e o relatório desta quarta-feira – podem, no entanto, endurecer o ânimo da Comissão Europeia relativamente ao Tribunal de Justiça da União Europeia. O Reino Unido diz que o Supremo Tribunal britânico deve ser o último garante dos direitos dos cidadãos europeus a viver no país depois do “Brexit”, e supervisionar a aplicação do acordo de saída da UE. A Comissão Europeia, no entanto, considera que esse papel deve continuar a pertencer ao Tribunal com sede no Luxemburgo.

Esta diferença de pontos de vista pode atrasar o acordo sobre o divórcio entre o Reino Unido e a UE. “Os argumentos do Governo sobre o papel do Tribunal de Justiça da União Europeia vão contribuir para um prolongamento do clima de incerteza para o clima económico no contexto do ‘Brexit’”, comentou Richard Eccles, da empresa de direito internacional Bird & Bird.

A discussão sobre este assunto fez com que se deixasse de debater a questão de garantir os direitos dos expatriados, de acordo com um documento conjunto publicado no mês passado, que comparava as posições das suas partes.

Mas antevêem-se novas dificuldades na discussão sobre como resolver disputas após o “Brexit”. O ministro da Justiça britânico, Dominic Raab, um defensor da saída do Reino Unido da UE, disse que seria provável que Londres sugira a nomeação de mediadores, para que haja um terceiro elemento a decidir sobre eventuais conflitos entre a UE e o Reino Unido depois de completado o “Brexit”.

Para a oposição, estas declarações são o equivalente a admitir derrota e apagar uma das linhas vermelhas antes traçadas por um Governo que perdeu a sua autoridade numas eleições antecipadas mal pensadas. “Isto é um passo atrás camuflado de retórica agressiva. Mesmo que deixemos o Mercado Único, os juízes europeus continuarão a ter um poder considerável sobre as decisões tomadas no Reino Unido”, declarou Andrew Adonis, um líder da campanha pró-permanência do país na União Europeia.

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