Frente anti-Maduro não arreda pé das ruas de Caracas nem que venha o Papa

Opositores e apoiantes do Presidente da Venezuela voltam a manifestar-se no Dia do Trabalhador. Papa Francisco diz que entre a oposição há quem rejeite o diálogo e Henrique Capriles irrita-se: "Foram assassinados mais de 30 venezuelanos."

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Para segunda-feira estão marcadas mais manifestações MIGUEL GUTIERREZ/EPA
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Os apoiantes de Maduro também vão estar nas ruas de Caracas Reuters
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Henrique Capriles, um dos líderes da oposição, Carlos Garcia Rawlins/Reuters
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O Papa Francisco disse que a oposição está dividida GREGORIO BORGIA/EPA
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A oposição exige a libertação de vários presos, como Leopoldo López Carlos Garcia Rawlins/Reuters

O mês de Abril chegou ao fim na Venezuela com pelo menos 12 grandes manifestações nas ruas de Caracas e outras cidades do país, e a entrada em Maio indica que a oposição está determinada a manter o pé no acelerador. Para esta segunda-feira está marcado outro grande protesto, agora com mais um destinatário: ao velho inimigo Nicolás Maduro juntou-se uma declaração do Papa Francisco que foi mal digerida pela oposição.

Depois de os opositores terem convocado a "mãe de todas as manifestações", no dia 19 de Abril, desta vez é o partido de Nicolás Maduro que promete espalhar milhares de apoiantes numa "mega marcha" nas ruas de Caracas, para comemorar o Dia do Trabalhador.

Do outro lado, mas na mesma cidade, estarão outros milhares a gritar palavras de ordem contra o Presidente venezuelano, numa repetição de um cenário que acontece quase todos os dias desde o início de Abril.

Para os defensores de Maduro e do regime bolivariano de Hugo Chávez, a marcha de segunda-feira será uma manifestação "pela paz na Venezuela, contra o terrorismo e contra a ingerência estrangeira" – o que, numa tradução livre, significa um protesto contra as manifestações da oposição, que terminam muitas vezes em violência, e contra um suposto golpe capitalista a mando dos Estados Unidos que estará a motivar os que não gostam de Nicolás Maduro.

Já os apoiantes dos vários partidos da oposição vão estar mais uma vez nas ruas para exigirem que o Governo "estabeleça um cronograma eleitoral para este ano, um poder eleitoral imparcial e a designação de um Supremo Tribunal de Justiça que não viole a Constituição" – ou, por outras palavras, a realização das eleições regionais que estavam marcadas para o ano passado e a nomeação de membros da comissão eleitoral e do Supremo que não sejam todos da área política do Presidente.

Perguntas e respostas sobre a situação na Venezuela

Mas o que está em causa na Venezuela há muito que ultrapassou a antecipação de mais um protesto nas ruas do país. No sábado, quando regressava a Roma de uma visita de dois dias ao Egipto, Francisco respondeu a várias questões de jornalistas a bordo do avião, como é habitual. Falou sobre a Coreia do Norte e também sobre a Venezuela, e passou receitas para tentar melhorar a situação nos dois países – o histórico papel de mediador da Noruega poderia ser chamado para tratar do líder norte-coreano e ele próprio estaria disposto a sentar-se à mesa de negociações com o Presidente da Venezuela e os principais líderes da oposição.

Mas impôs uma condição para que esse diálogo seja retomado: "Acho que tem de ser em condições muito claras. Parte da oposição não quer isto [o diálogo], o que é curioso. A mesma oposição está dividida e, por outro lado, parece que os conflitos estão a agudizar-se mais."

Com esta declaração, o Papa Francisco tocou numa das grandes feridas da oposição a Nicolás Maduro. Muitos dos venezuelanos que exigem a saída do Presidente concordam que a oposição não esteve unida até há bem pouco tempo, e vários analistas e activistas do país têm escrito que essa ausência de união é o que falta para que o regime caia – e que a determinação em voltar às ruas quase todos os dias, como esta segunda-feira, é um indício de que as diferenças estão agora a ser postas de lado.

"Em parte, este consenso deve-se ao facto de a oposição ter aprendido com os seus erros. Mas também ao facto de que renunciar à luta nas ruas neste momento tem um preço muito elevado. Em Outubro, o governo suspendeu ilegalmente o processo de convocatória de um referendo para a saída do Presidente. A coligação opositora, a Mesa da Unidade Democrática, reagiu com um apelo às manifestações de rua, mas deixou cair esse apelo pouco depois, para iniciar um 'diálogo' com o governo", escreveu o jornalista venezuelano Alejandro Tarre no jornal espanhol El País, numa referência ao processo de diálogo apadrinhado pelo Papa Francisco e liderado pelo antigo presidente do Governo espanhol José Luis Rodríguez Zapatero.

Foi por isso que um dos rostos mais conhecidos da oposição, Henrique Capriles, se mostrou irritado com a referência do Papa Francisco a uma divisão entre os que exigem a demissão de Nicolás Maduro. Com o reforço da pressão interna (devido ao agravamento da situação económica e social) e da pressão externa (com as críticas cada vez mais firmes dos parceiros regionais da Venezuela contra a forma como Maduro tem lidado com a oposição), Capriles entende que é essencial que a voz dos opositores não seja prejudicada pelas diferenças de opinião entre eles. Poucas horas depois de o Papa ter falado a bordo do avião, na conta oficial de Nicolás Maduro no Twitter partilhavam-se mensagens com frases de Francisco: "Que o Senhor nos permita hoje que caminhemos juntos, como peregrinos de comunhão e anunciadores da paz."

"Ouvi as declarações do Papa, que disse que a oposição está dividida, mas isso não é verdade. Ele fala como se uns quisessem dialogar e outros não. Todos os venezuelanos querem dialogar, mas não estamos dispostos a um diálogo 'Zapatero'", disse o governador do estado de Miranda e concorrente derrotado nas duas últimas eleições, contra Hugo Chávez e Nicolás Maduro (a primeira perdeu-a por 11 pontos percentuais, a segunda apenas por 1,5 pontos).

A irritação nas palavras de Capriles foi ainda mais evidente numa chamada de atenção ao Papa, o que indica que as posições parecem estar definitivamente extremadas – enquanto o Governo não devolver todos os poderes que o Supremo Tribunal retirou à Assembleia Nacional no fim de Março (e não apenas alguns, como foi feito logo a seguir), não libertar os detidos a que a oposição chama presos políticos e não se realizarem as eleições regionais que estavam marcadas para o ano passado, as ruas da Venezuela dificilmente voltarão a ser seguras nos próximos tempos: "É importante que o Papa saiba que foram assassinados mais de 30 venezuelanos, centenas ficaram feridos e houve 1400 detenções arbitrárias", atirou Henrique Capriles.

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