O populismo está a dar

Nada mais light que chamar populista a um filo-fascista. O vocabulário do momento é elástico e nunca inocente.

Mas o que é isto do populismo? Na minha aprendizagem significava uma adaptação ao gosto -- mau, perverso, egoísta, identitário pelo lado xenófobo, nacionalista, chauvinista, patrioteiro -- da massa indiferenciada -- de uma massa homogeneizada criada justamente pelo sistema político/publicitário/eleitoral -- de modo a que, por essa via, se acedesse ao poder. O populista veste a pele do povo para ser povo diante dos olhos do povo, como se fora o seu símbolo em acção. O populista não perde uma para fazer render a sua "renda mediática", o seu capital simbólico ao momento. Por isso ele vai a todas: vai à revista jet set -- e o que será isso? -- vai à bola com a bola e com os mundos da bola, terá até um clube, é tu cá tu lá com os tais famosos, faz as coisas simples que os simples fazem, até parece uma criatura como as outras, vulgar como as outras, capaz até de ser tão merdoso como os merdosos -- pede desculpa quando comete o crime e até sobe nas preferências sondagísticas que andam sempre também à procura de ser famosas --podemos imaginar fazer sondagens às sondagens para concluir que a mais improvável fosse a mais votada.

Se houvesse um campeonato de sondagens poderia ser assim. Nunca conseguiremos distinguir as sondagens, numa perspectiva para-científica, do efeito eleitoral que elas têm enquanto influência sobre a decisão dos que seguem as opiniões orientadoras dos sondados. As sondagens influenciam de facto decisões e muitas vezes, em fases finais, até decidem. O sistema das sondagens é em si um sistema populista porque inflaciona tudo o que joga na aparência do que seja popular - um político aos beijos de afecto com um jogador famoso é renda eleitoral, activo votante. Ainda agora o vimos na Holanda -- o xenófobo Wilders foi levado ao colo pelas sondagens até a um primeiro lugar que depois se confirmou como 14% dos votos (há 14% de "povo" holandês que votou neste neto xenófobo de uma senhora Indonésia -- estas coisas têm sempre aspectos escondidos que são curiosos). Na Holanda o que se verificou foi um movimento final de retracção em relação à vitória empurrada quase como certa - o povo sondado, indirectamente, que ia votar no Wilders, parte dele, acabou por não o fazer, de tal forma o empurrão estava à vista ( os média vivem também do número, das tais "audiências").

Ele, o populista, é mesmo o campeão do que serão os interesses do povo. Isso pressupõe que o povo existe como entidade homogénea, como identidade una, como um mesmo conjunto de interesses comum. Nada mais inverdade que esta homogeneidade -- que, entretanto, o mercado fabrica como entidade clientela, como massa de compradores disto ou daquilo, do automóvel ao pacote de férias. Essa prática do consumo é um way off life que, de alto a baixo -- do mercado VIP (rasca) ao mercado RASCA (Vipista) -- faz parecer idêntico o que é diverso, não só diverso poder de compra como diversos estratos culturais. Um banqueiro e uma senhora da limpeza não são o mesmo povo.

O modo como o populismo é debatido pelos "comentaristas", essa casta de ideólogos de circunstância que diz coisas definitivas porque está no lugar onde o diz, é de facto, uma forma de o branquear. Nada mais light que chamar populista a um filo-fascista. O vocabulário do momento é elástico e nunca inocente. E, obviamente para além dos populismos, que são de diversa cara, há também aqueles que muitas vezes fazem gestos populistas, atitude e vocabulário, mesmo quando na maior parte dos casos se aproximam do que seja dizer ou lutar publicamente pela verdade.

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