EUA enfrentam um massacre outra vez, Congresso promete agir outra vez

Partido Republicano aceita votar duas propostas do Partido Democrata, mas poucos acreditam que vão ser aprovadas. Donald Trump defende proibição de venda de armas a suspeitos de terrorismo e vai conversar com a NRA.

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Vão ser votadas duas propostas do Partido Democrata Pete Marovich/AFP
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O senador Chris Murphy foi o responsável pela maratona no Senado Jonathan Ernst/Reuters
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O Presidente dos EUA visitou Orlando esta quinta-feira Carlos Barria/Reuters
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PUNIT PARANJPE/AFP

Tal como acontece sempre após um massacre com armas de fogo numa escola, num cinema ou numa igreja nos EUA, o Partido Democrata e o Partido Republicano voltaram esta semana a prometer ao povo americano que vão trabalhar em conjunto para aprovarem propostas com que toda a gente concorda, para se minimizar este tipo de violência – seja ele provocado por fanáticos religiosos, por pessoas com distúrbios mentais atestados por médicos ou por homofóbicos assassinos. Mas o resultado tem sido sempre o mesmo: na Câmara dos Representantes e no Senado ainda ninguém se entendeu sobre o que é que toda a gente concorda.

Os líderes do Partido Democrata, do Partido Republicano e até do poderoso grupo pró-armas National Rifle Association (NRA) garantem que ninguém nos EUA defende que suspeitos de terrorismo devem poder comprar armas – nem simples pistolas, quanto mais armas semiautomáticas que deixam o atirador disparar até 30 tiros com apenas um carregador, como a que foi usada por Omar Mateen para matar 49 pessoas numa discoteca frequentada pela comunidade LGBT em Orlando, na Florida, no domingo passado.

Mas o problema começa aqui: nos EUA, as listas de pessoas suspeitas de envolvimento em actividades terroristas ou simplesmente referenciadas tinham, em 2014, 800 mil nomes. E qualquer uma dessas pessoas pode comprar armas, desde que não tenha sido condenada por outros crimes, como violência doméstica, e não esteja a ser formalmente acusada.

Se a proposta que o Partido Democrata tem em cima da mesa no Congresso fosse aprovada, nenhuma dessas pessoas teria autorização para comprar armas. O argumento é simples: se algumas dessas 800 mil pessoas (entre seis mil e sete mil) até estão proibidas de embarcar num avião, por que razão podem comprar uma arma semiautomática semelhante às que são usadas pelo exército norte-americano em países como o Afeganistão e o Iraque?

O Partido Republicano e a NRA respondem com o risco de violação da Segunda Emenda da Constituição para as pessoas que vão parar à lista de suspeitos de terrorismo injustamente ou que são confundidas com suspeitos devido à coincidência de nomes – o cantor britânico Yusuf Islam (anteriormente conhecido como Cat Stevens) foi vítima do primeiro caso e o antigo senador norte-americano Ted Kennedy, que morreu em 2009, foi vítima do segundo.

O longo dia do senador Murphy

Para tentar resolver esta questão de uma vez por todas (a do equilíbrio entre minimizar o risco de massacres e a protecção dos direitos, liberdades e garantias), o senador Chris Murphy, do Partido Democrata, interrompeu a discussão sobre o Orçamento do Departamento de Justiça, ao fim da manhã de quarta-feira, e prometeu falar as horas que fossem necessárias até que os dois partidos dessem sinais de que o massacre em Orlando – o mais mortífero da História dos EUA – seria o ponto de viragem na questão do controlo de armas.

Chris Murphy usou um procedimento conhecido como filibuster e manteve o Senado a discutir o controlo de armas durante 14 horas e 50 minutos, sem nunca se sentar nem ir à casa de banho, e com a ajuda de perguntas e intervenções de outros 38 senadores do Partido Democrata.

Durante parte desse tempo, até depois das 2h da madrugada de quinta-feira, Chris Murphy falou para uma sala pouco composta, mas foi sendo incentivado à distância, através do Twitter – muitos utilizadores, apanhados de surpresa mas agradados com a atitude do senador, foram partilhando mensagens de apoio, que tinham como pano de fundo a palavra-chave "Chega!".

O senador do Connecticut é um conhecido defensor do reforço do controlo das armas nos EUA desde o massacre na escola primária de Newtown, no seu estado, em Dezembro de 2012. Entre as várias histórias que contou, destacou-se a da professora Anne Marie Murphy, que foi morta nesse ataque quando tentava proteger Dylan Hockley, uma das crianças de seis anos que também acabou por ser morta pelo atirador Adam Lanza.

"Não é preciso ser-se corajoso para se estar aqui no Senado dos Estados Unidos a falar durante duas horas, seis horas ou 14 horas. É preciso coragem para fitar um atirador nos olhos em vez de fugir, proteger uma criança de seis anos com os braços e aceitar a morte. Se a Anne Marie Murphy conseguiu fazer isso, então façam uma pergunta a vós próprios: o que é que vocês podem fazer para garantir que Orlando ou Sandy Hook nunca mais voltem a acontecer?"

A resposta do Senado não chegou na forma de uma garantia de mudança, mas o filibuster de Murphy foi visto como uma importante vitória porque os líderes do Partido Republicano aceitaram discutir e votar duas propostas do Partido Democrata – uma sobre a proibição da venda de armas a quem está na lista de suspeitos de terrorismo e outra sobre a extensão das verificações de antecedentes criminais a todas as pessoas que queiram comprar uma arma, seja numa loja autorizada (onde esse controlo é obrigatório), seja numa exposição temporária (onde não é preciso fazer perguntas nem pedir informações às autoridades).

Nada indica que alguma delas seja aprovada, mas foi um pequeno passo – antes da intervenção do senador, a câmara nem sequer tinha planeado uma discussão sobre o massacre em Orlando; depois dela, o tema das armas regressou ao topo das notícias e levou a direcção do jornal The New York Times a apontar o dedo aos membros da Câmara dos Representantes e do Senado: "O horrível massacre em Orlando no fim-de-semana passado é apenas o exemplo mais recente. E tudo isto é tremendamente facilitado por um lóbi das armas que tem travado a aprovação de medidas de segurança sensatas a cada oportunidade, e por membros do Congresso que parecem ser mais leais à indústria das armas de fogo do que aos seus próprios eleitores. Há uma palavra para o papel que eles têm desempenhado nesta forma de terrorismo: cumplicidade."

Esta quinta-feira, o Presidente Barack Obama passou por Orlando para falar com familiares das vítimas, num encontro onde quis "deixar claro que o país está com o povo de Orlando e com a sua comunidade LGBT neste momento de luto".

É possível que dentro de algumas semanas o assunto volte a desaparecer das notícias, mas a proibição da venda de armas a quem está na lista de suspeitos de terrorismo ganhou um inesperado aliado de peso – o mais do que provável candidato do Partido Republicano às presidenciais, Donald Trump.

O magnata discorda do Partido Democrata em quase tudo sobre o controlo de armas – tal como muitos dos seus apoiantes, defende que a melhor forma de evitar massacres como o de Orlando é dar uma arma a cada cidadão. Mas na quarta-feira partilhou uma mensagem no Twitter que vai ao encontro do que a maioria dos congressistas do Partido Democrata tem defendido: "Vou reunir-me com a NRA, que anunciou o seu apoio à minha candidatura, para falarmos sobre como impedir as pessoas que estão na lista de suspeitas de terrorismo, ou na lista de proibição de viajar em aviões, de comprarem armas."

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