Estados Unidos e Cuba reabrem embaixadas a 20 de Julho

Anúncio, feito esta quarta-feira por Barack Obama e confirmado pelas autoridades cubanas, é mais um passo no restabelecimento de relações diplomáticas entre os dois países.

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Raul Castro e Barack Obama cumprimentaram-se na cimeira das Américas, em Abril MANDEL NGAN/AFP

O “descongelamento” da relação diplomática entre os Estados Unidos e Cuba, anunciado pelos respectivos Presidentes Barack Obama e Raúl Castro em Dezembro passado, ficará completo com a abertura de embaixadas em Washington e Havana no próximo dia 20 de Julho.

A novidade, avançada ao final da noite de terça-feira por fontes oficiais da Administração, acaba de ser confirmada oficialmente num comunicado do Governo de Cuba e de viva voz pelo Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. “Este é outro histórico passo em frente no nosso esforço para normalizar as relações com o Governo e o povo de Cuba, e começar um novo capítulo com os nossos vizinhos das Américas”, declarou o líder norte-americano, numa curta comunicação formal no jardim da Casa Branca. “No dia 20 de Julho, o secretário de Estado John Kerry estará em Havana para voltar a içar, orgulhosamente, a nossa bandeira”, informou.

Segundo a nota do Governo de Havana, a reabertura das embaixadas no próximo mês demonstra a “intenção de desenvolver relações respeitosas e de cooperação entre os dois povos e ambos os governos”.

O processo burocrático já está em marcha, com a entrega (recíproca) de cartas presidenciais dando conta da intenção de substituir as actuais secções de interesses consulares, que funcionam ao abrigo das representações diplomáticas da Suíça em Havana e Washington, por embaixadas de pleno direito. Será a primeira vez, em quase 60 anos, que as bandeiras de Cuba e dos Estados Unidos estarão permanentemente hasteadas nas respectivas capitais.

A iniciativa foi precedida por quatro rondas negociais com dirigentes do departamento de Estado dos EUA e ministério dos Negócios Estrangeiros cubano – para discutir questões como a liberdade de movimentos do pessoal diplomático ou ainda as actividades bancárias de cada futura embaixada –, e ainda por um histórica reunião bilateral entre Barack Obama e Raúl Castro, à margem da cimeira das Américas, no Panamá, em Abril. Um mês depois, Washington retirou Cuba da sua lista oficial que enumera os países considerados patrocinadores do terrorismo, e com os quais o país está impedido de negociar.

A lei norte-americana exige, além disso, que o Congresso seja notificado, com pelo menos 15 dias de antecedência, da mudança de estatuto de qualquer missão diplomática. Uma vez que esse passo não tem de ser tornado público, desconhecia-se se essa notificação já foi entregue. Os legisladores não têm que aprovar a iniciativa, mas a nomeação do futuro embaixador dos Estados Unidos em Havana terá de ser ratificada pelo Congresso, pelo que se adivinham dificuldades para a Administração Obama, independentemente do nome escolhido para o cargo.

Vários senadores republicanos que se opõem ao restabelecimento das relações diplomáticas com Havana, nomeadamente o candidato presidencial Marco Rubio, filho de exilados cubanos, já prometeram bloquear o processo. “Durante toda esta negociação, enquanto o regime de Castro apertava a repressão sobre o povo cubano, a Administração Obama assobiava para o lado e oferecia concessão atrás de concessão”, criticou o senador da Florida.

O canal diplomático entre os dois países foi cortado em 1961, na sequência da revolução liderada por Fidel Castro que depôs o Governo cubano de Fulgêncio Batista, protegido pelos Estados Unidos. Como notou Obama, “nessa altura ninguém imaginou que a ruptura se prolongaria por mais de 50 anos”: a política da Guerra Fria isolou ainda mais o regime castrista, em oposição ao bloco ocidental, e nem depois da queda do muro de Berlim e da dissolução da União Soviética houve qualquer alteração no tabuleiro do xadrez diplomático entre os governos dos EUA e Cuba.

A 17 de Dezembro, o Presidente Barack Obama disse aos norte-americanos que apesar da “história complicada” entre os dois países, tinha chegado o momento de “iniciar um novo capítulo”, constatado que estava o fracasso do modelo de isolamento, que não promoveu a mudança de regime político em Cuba mas sobrecarregou a população cubana com dificuldades. As sondagens mostram que a maioria da população americana apoia a mudança de política em relação a Cuba.

“Não deixaremos de ter sérias divergências com o Governo cubano”, reconheceu Barack Obama, garantindo que os Estados Unidos não deixariam de assinalar as suas discordâncias e criticar o regime quando estiverem em causa direitos fundamentais como a liberdade de expressão e opinião.

Os primeiros passos dados há meio ano passaram pela flexibilização das normas que regulam as trocas comerciais, as transferências de dinheiro para Cuba ou as viagens de cidadãos norte-americanos à ilha. Como sublinhou Obama, a reabertura das embaixadas era, pela lógica, a etapa seguinte, e o Presidente fez questão de dizer que não se tratava de uma medida puramente simbólica: “Ficaremos com uma margem de manobra e intervenção bastante mais alargada”, referiu.

“Ninguém espera que Cuba se transforme da noite para o dia, mas acredito que o contacto e a participação americana, através da nossa embaixada, das nossas empresas e acima de tudo dos nossos cidadãos será a maneira mais eficaz de promover os nossos interesses e de sustentar os nossos valores de apoio da democracia e dos direitos humanos”, afirmou Obama.

Para o fim do isolamento e total normalização das relações entre os dois países, só fica agora a faltar a suspensão do embargo comercial à ilha que vigora há 54 anos – e que o líder norte-americano dificilmente conseguirá interromper, uma vez que essa decisão depende do Congresso. Esta quarta-feira, Obama voltou a defender o fim do embargo. “Acredito que esse tempo chegou.” Mas a maioria republicana, que controla o órgão legislativo, não partilha a mesma opinião.

Além do fim imediato do embargo comercial, o Governo de Cuba reclama ainda a devolução dos terrenos da ilha ocupados pela base naval de Guantánamo, onde funciona o campo militar norte-americano de detenção de suspeitos de terrorismo.

Conforme escrevia hoje o The New York Times, o Presidente dos Estados Unidos fez da política de détente com Cuba uma das principais prioridades dos seus últimos dois anos de mandato (a outra é a assinatura de um acordo que permita encetar um processo paralelo de reaproximação com o Irão). Barack Obama, que ainda tem 18 meses pela frente na Casa Branca, poderá vir a ser o primeiro líder norte-americano a visitar oficialmente Cuba, se os rumores de uma viagem oficial em 2016 vierem a confirmar-se. O Papa Francisco, que estará brevemente em Washington e em Havana, poderá revelar-se um importante intermediador para que a visita aconteça.

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