EUA ameaçam sair do Conselho de Direitos Humanos se não se discutir mais a Venezuela e menos Israel

Embaixadora norte-americana na ONU diz que o país está a analisar se deve manter-se no conselho das Nações Unidas. Um dos problemas, segundo a Casa Branca, é o excesso de condenações a Israel e a falta de condenações à Venezuela.

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Nikki Haley disse que a Venezuela devia sair do Conselho de Direitos Humanos MAGALI GIRARDIN/EPA

A embaixadora dos Estados Unidos na ONU chegou esta terça-feira a Genebra com uma mensagem clara para os restantes 46 membros do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas: ou começam a falar menos sobre Israel e mais sobre países como a Venezuela, ou a Administração Trump vira as costas a todos eles e vai-se embora.

O aviso oficial foi feito por Nikki Haley esta manhã, na abertura da 35.ª sessão do conselho: "Como sabem, os Estados Unidos estão a analisar com cuidado o trabalho deste conselho e a sua participação nele." Mas a ameaça já vinha de trás – o Presidente norte-americano, Donald Trump, e o secretário de Estado, Rex Tillerson, já tinham acusado o Conselho de Direitos Humanos da ONU de condenar muitas vezes Israel e discutir pouco a situação em países como Cuba e a Venezuela.

Esta queixa nem sequer começou com a chegada de Donald Trump à Casa Branca – em 2006, o Presidente George W. Bush não concordou com a criação do conselho, e só três anos mais tarde os Estados Unidos procuraram um lugar neste órgão, já pela mão de Barack Obama.

O Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas foi criado em 2006 para substituir um órgão com um nome semelhante – a Comissão das Nações Unidas sobre Direitos Humanos –, que era acusado de servir apenas para branquear as violações de direitos humanos em muitos dos 53 países que faziam parte dele. No actual Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, cada um dos 47 membros são eleitos para mandatos de três anos por uma maioria absoluta dos 193 países da Assembleia Geral da ONU, num sistema desenhado para beneficiar os continentes asiático e africano (13 países africanos, 13 asiáticos, oito da América Latina, sete da Europa Ocidental e seis da Europa de leste).

Apesar dessa mudança, os EUA ficaram sempre de pé atrás quando o assunto era a eficácia do conselho da ONU para discutir a situação dos direitos humanos no mundo, definir metas e fiscalizar resultados. Mesmo quando Barack Obama decidiu que os Estados Unidos iriam candidatar-se a um lugar, em 2009, o argumento era o de que seria melhor dialogar com os abusadores de direitos humanos, para tentar convencê-los a mudar as suas políticas, do que ficar de fora a fazer queixas. Segundo alguns relatórios e artigos de opinião, como os dos norte-americanos Council on Foreign Relations (2012) e Brookings Institution (2015), a entrada dos Estados Unidos no conselho em 2009 teve um efeito muito positivo, e foi graças aos seus "vigorosos e determinados esforços" que o órgão da ONU encontrou uma "nova credibilidade como promotor dos direitos humanos".

Agora, pelo menos à primeira vista, a Administração Trump parece ter decidido que ficar de fora é a melhor solução – na passada sexta-feira, em jeito de preparação para o seu discurso desta terça-feira em Genebra, a embaixadora dos Estados Unidos na ONU escreveu no jornal Washington Post que "a questão é saber se o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas apoia de facto os direitos humanos, ou se é uma simples montra para ditaduras que usam o seu estatuto de membros para branquearem a brutalidade".

Venezuela é o alvo dos EUA

Nesse texto, Nikki Haley referiu os exemplos de Cuba e da invasão da Crimeia pela Rússia, mas quem recebeu mais destaque foi o Governo da Venezuela, que a embaixadora norte-americana acusa de promover "a destruição sistemática da sociedade civil através de detenções arbitrárias, tortura e violações flagrantes das liberdades de imprensa e de expressão".

Apesar disso – escreveu a embaixadora –, o Conselho de Direitos Humanos "nem por uma vez considerou ajustado condenar a Venezuela". E o mesmo aconteceu com o Governo cubano, que "controla os media de forma estrita e que restringe o acesso do povo de Cuba à Internet" – "Apesar disso, Cuba nunca foi condenado pelo conselho; e [tal como a Venezuela] também é um membro."

Entre os 47 membros do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas fazem parte países como a Arábia Saudita, muito criticado no mais recente relatório do Departamento de Estado norte-americano, assinado pelo actual secretário de Estado, Rex Tillerson. "As violações dos direitos humanos mais graves incluem a falta de capacidade e meios legais para que os cidadãos escolham o seu Governo; restrições aos direitos universais, como a liberdade de expressão, incluindo na Internet, e aos direitos de reunião, associação, movimento e religião; e discriminação de género e ausência de direitos iguais que afectaram a maior parte dos aspectos das vidas das mulheres", lê-se no relatório do Departamento de Estado norte-americano.

Numa segunda comunicação, na tarde desta terça-feira, a embaixadora norte-americana também referiu a China e a Arábia Saudita, mas apenas detalhou a situação na Venezuela, em Cuba e no Zimbabwe. No mês passado, o Presidente Donald Trump passou pela Arábia Saudita, onde assinou um negócio para a venda de armamento no valor de 110 mil milhões de dólares, que inclui aviões militares, navios e mísseis.

Durante as duas próximas semanas, na sessão do Conselho de Direitos Humanos, o foco dos Estados Unidos vai ser a situação na Venezuela. Na comunicação na tarde desta terça-feira, Nikki Haley anunciou os termos das condições para que os Estados Unidos fiquem no conselho – um dos mais importantes é que a escolha dos membros seja feita numa votação pública, ao contrário do que acontece actualmente.

"O Governo venezuelano está a fazer uma campanha de violência e de intimidação contra manifestantes desarmados, contra o comércio, a sociedade civil e a oposição política", disse a embaixadora norte-americana, antes de lançar um aviso ao conselho da ONU: "O Conselho de Direitos Humanos não pode apresentar-se como a organização mais importante em termos de direitos humanos e continuar a ignorar violações e abusos ocorridos na Venezuela." Em último caso, disse a embaixadora norte-americana, "a Venezuela deve sair voluntariamente do conselho até conseguir pôr a sua casa em ordem", já que a entrada no grupo "é um privilégio, e nenhum país que viole os direitos humanos deve ser admitido à mesa de negociações".

"Prática errada" em relação a Israel

Outra crítica que tem acompanhado todos os Presidentes norte-americanos quando chegam à Casa Branca é aquilo que consideram ser a excessiva condenação à ocupação de territórios por Israel, condenada em Dezembro do ano passado pelo Conselho de Segurança numa resolução que a então Administração norte-americana não vetou  – mas até Barack Obama, que terminou o seu segundo mandato de costas voltadas para o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, admitiu em tempos que o Conselho de Direitos Humanos da ONU dedicava tempo a mais a Israel e tempo a menos a outros países com iguais ou piores violações dos direitos humanos.

No texto que escreveu na passada sexta-feira, Nikki Haley sublinhou essa crítica: "O conselho deve também pôr fim à prática errada de salientar a situação em Israel. Quando o conselho aprova mais de 70 resoluções contra Israel, um país com um registo de direitos humanos forte, e só aprova sete resoluções contra o Irão, um país com um péssimo registo de direitos humanos, sabemos que se está a passar algo muito errado."

Em 2009, quando Barack Obama decidiu que os Estados Unidos deviam estar no Conselho de Direitos Humanos da ONU, os conservadores do Partido Republicano acusaram-no de estar a legitimar um órgão que branqueia regimes ditatoriais. O antigo embaixador norte-americano na ONU entre 2005 e 2006, John R. Bolton, disse que o pedido de admissão era "como entrar a bordo Titanic depois do embate contra o icebergue". E a congressista Ileana Ros-Lehtinen, nascida em Havana, disse que essa decisão punha fim ao "maior trunfo" que os Estados Unidos tinham para "forçar mudanças no conselho" – agora, o Presidente Donald Trump poderá usar como trunfo a possível saída do conselho para forçar essas mudanças.

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