Estados-Nações e outros senões

A União Europeia dura enquanto a França e a Alemanha assim o quiserem e acaba no dia em se desentenderem.

A Europa é composta por um largo número de Estados, um ainda maior número de nacionalidades e uma população que professa várias religiões. Quer os que fazem parte da União Europeia, quer os outros, existem com as suas próprias idiossincrasias há séculos. O tratado que instituiu a Comunidade Europeia, em 1957, é um episódio importante e positivo da história da Europa, talvez sem precedente no passado, mas não deixa de ser mais um episódio. Não é o fim da história.

A União Europeia é uma associação voluntária de Estados-Nação. Não é uma associação de Estados federados da mesma nação. Estes Estados-Nação associados regem as suas relações por tratados assinados. A coesão entre Estados membros, apesar de prevista nos tratados, é um objetivo mais dependente da conjuntura politica e económica. E não estamos a viver um período de grande solidariedade, se é que isso existe nas relações entre Estados.

Acresce que a União Europeia tem uma particularidade original, que importa ter sempre presente: a hegemonia inquestionável de dois dos Estado da União, sobre todos os restantes, agravado agora com o abandono do Reino Unido. De facto, apesar dos invocados “ideais europeus”, a Comunidade Europeia foi fundada em 1957, 99% para evitar uma nova guerra entre a França e a Alemanha e 1% para garantir a livre circulação de bens e pessoas. E se a paz foi conseguida até agora, não se pode esquecer a história da Europa dos últimos 400 anos e pensar apenas na Europa dos derradeiros 70. E porquê a prioridade dos “fundadores” de garantir a paz entre a Alemanha e a França? Porque não há nenhum grande conflito europeu dos últimos 400 anos, em que a Alemanha e a França não estivessem em lados opostos. Aliás sempre foi assim, desde que no ano 800, estes países nasceram da divisão do Império de Carlos Magno.

Estas duas nações foram adversárias na Guerra dos 30 anos (1618-1648); voltaram a sê-lo na Guerra dos 7 anos (1756-1763). A França de Napoleão invadiu a Prússia e os restantes reinos alemães (1803-1815). Alemanha e França voltaram a confrontar-se na Guerra Franco-Prussiana (1870-1871), na I Guerra Mundial (1914-1918) e na II Guerra Mundial (1939-1945). Nunca depois se voltaram a confrontar, mas durante a guerra dos anos 90 na ex- Jugoslávia, foi explícito o favorecimento da Croácia pela Alemanha e o apoio da França à Servia.

Não é necessário explicar, pois é um facto tão notório que não carece de prova, que a União Europeia dura enquanto a França e a Alemanha assim o quiserem e acaba no dia em se desentenderem. Basta olhar para o mapa, não é? Por isso, embora desajeitadamente, o presidente da Comissão afirmou que não se pode aplicar sanções à França, porque é a França. Claro, qualquer humilhação à Grécia, como já se viu, a Portugal ou à Espanha, como se poderá ver, cria um embaraço e alguns protestos. Uma humilhação semelhante, sobre a França, poderia simplesmente fazer terminar a União Europeia.

E aqui chegamos ao chamado “ deficit democrático” da União Europeia. Há nisto uma enorme mistura de conceitos, que só serve para confundir a opinião pública. A democracia exerce-se dentro de cada Estado da União. Nas relações entre Estados, não há que apelar para “regras democráticas”, porque simplesmente não existem. Nem os eleitores de cada Estado-Nação permitiriam que os seus governantes os prejudicassem em benefício doutro Estado. As relações entre os Estados (não somos Estados federados, sequer) regem-se pela diplomacia e pelas normas dos tratados assinados, sempre com uma margem conveniente de incumprimento, pelos Estados mais fortes. Como dizia o General de Gaulle, os tratados são como os namorados e as flores. Duram, enquanto duram.

Se pudéssemos perguntar a cada um dos Estados-Nação da União Europeia, como se perguntaria a uma noiva, se casou por amor ou por interesse, a resposta seria seguramente: deve ter sido por interesse, que eu amor não tenho nenhum.

Jurista

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