Essa União de costas largas

A União Europeia, é sabido, tem as costas largas. Por este andar até nós descobriremos em breve que Arnaldo de Matos, afinal, se pode classificar como um europeísta convicto.

O candidato Macron não resistiu a querer parecer crítico da União Europeia e a exigir a sua profunda reforma, pondo até léxico novo nas manchetes – com a ameaça aberrante de um “Frexit”. Algum estudo de opinião seguramente o apresentou como demasiado complacente em relação ao tema Europa, o que, por aquelas bandas nos nossos dias, parece querer dizer “pouco francês” e um risco, portanto, perante os eleitores em processo de serem seduzidos pela xenofobia de Le Pen. Ao que se chega, quando pressionado a sério por Marine. A União Europeia, é sabido, tem as costas largas. Por este andar até nós descobriremos em breve que Arnaldo de Matos, afinal, se pode classificar como um europeísta convicto.

O tema da reforma da União é constante, num ciclo que nas últimas décadas tem sido este: um evento que assusta e parece comprometer o processo de integração (rejeição de Maastricht, rejeição da Constituição Europeia…), a que se segue um processo de revisão dos Tratados anunciado como uma profunda reforma da União em direcção ao bem e à iluminação, seguido de nova crise que permite confirmar que a mudança foi supostamente quase nula ou errada, tendo-o sido ou não, e é preciso – ah, a esperança do homem nele próprio é infindável! –, agora sim, reformar a União Europeia, para a salvar definitivamente de si própria e dos seus críticos, mesmo que, no limite, isso não queira dizer grande coisa.

Porque na verdade diversas coisas substantivas mudaram na União nas últimas três décadas. Deixou de ser apenas um clube de países ricos e tornou-se, por exemplo, pós-Guerra Fria, um garante da democracia, da paz, dos direitos fundamentais e de desenvolvimento económico também em boa parte do leste europeu, no Báltico e até em parte dos Balcãs. Reforçou-se o peso dos eleitos directamente pelos cidadãos nas decisões europeias, através da participação adicional e real do Parlamento Europeu no processo legislativo e na intervenção política ao nível europeu. E o euro, moeda única, representou, claro, tudo o que sabemos e o que achamos que sabemos sobre as suas virtudes e os seus defeitos. Estas três novidades europeias, com uma natureza distinta e distintas projecções e impactos, mas todas elas decisivas, funcionam como bons exemplos de como o imobilismo e a inércia não são traços da história recente da União.

Estamos perante o cansaço e a incompreensão circunstancial dos eleitores perante as decisões das suas próprias lideranças? Ou é algo de mais profundo e a tensão segregacionista na Europa é incontrolável e só aumentará? Se assim for, não deixará de ser uma triste ironia que, no tempo da interconexão total e da presença global ao dispor de qualquer cidadão, se escolha, em público, o isolamento e o recrudescer das fronteiras e, em privado, se cultive a proximidade com o desconhecido e o voyeurismo. Uma palavra mais francesa que o tal “Frexit”.

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