Essa grande filha do pai

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Marine Le Pen é uma advogada e política francesa e, pelos vistos, também podia ser físico-química, porque conseguiu convencer muitos franceses de que o ácido sulfúrico é água e todos o podem beber. Isto é, a Frente Nacional (FN) racista, extremista e perigosa é, afinal, uma organização “normal” e de confiança, uma espécie de partido familiar que conquistou 25% dos votos.

Falando em família: o maior problema de Marine, para além de haver imigrantes e gente que não é loira, o que é desagradável à vista e a entristece, é agora o seu pai. Jean-Marie Le Pen, senhor baixinho com sonhos de domínio da Europa (onde é que já vimos isto?) e a favor da expulsão ou outra solução para os judeus (e isto, hum?), que passou o poder à filha em 2011 mas agora não se cala, o raio do velho. Respondendo a críticos como a cantora Madonna, o ex-tenista Yannick Noah e o músico (judeu) Patrick Bruel, que se recusa a actuar em cidades governadas pela FN, o divertido sacripanta riu-se:

— Da próxima vez, fazemos uma fornada com eles.

Pessoas ofenderam-se, mostrando que já não se pode dizer nada. Até porque há anos ele já fora condenado por outra tirada fixe. Utilização de câmaras de gás em campos de extermínio nazi?

— Não estudei especialmente a questão, mas creio que isso é um pormenor na história da II Guerra Mundial.

Esta semana, a sua Marinezinha pôs fermento no pormenor da “fornada”. Assegurou que a FN não é anti-semita e que o pai, por “não ter antecipado a interpretação que seria feita dessa formulação”, cometeu “um erro político do qual a Frente Nacional vai sofrer as consequências”. Consequências, fedelha? Ele é o presidente vitalício da FN, ninguém o cala. Não quer cá saber das falinhas mansas que usas para tentar cativar deputados extremistas do Parlamento Europeu e para receberes dinheiro e formares um bloco anti-imigração e antieuro. Uma frente para destruir por dentro a União.

Para Jean-Marie, foi doloroso ver a filha mais nova (Marine nasceu a 5 de Agosto de 1968, depois dum abominável Maio de praias sob a calçada...) renegar publicamente uma educação esmerada.

Na verdade (verdade no sentido nazi de duche higiénico), vários historiadores negacionistas e desacreditados asseguram-nos que, quando a petiza andava de carrapito e saia curta, o papá ex-soldado da Argélia a levou em viagem. Visitaram Auschwitz, Birkenau, Treblinka e Dachau. Isto é, o percurso principal dos campos de férias alemães para a juventude. Aí, a menina Le Pen terá aprendido pormenores como as experiências gasosas e de forno que contribuíram singelamente para o progresso da civilização e da humanidade. Foram aulas giras, as conversas pai-filha no cais dos comboios, admirando a arquitectura das chaminés, que saudades.

— Sabes, ma belle, um dia o ébola vai ser o grande regulador do problema da imigração em França.

— Papá, não gosto deste sítio. Quero ir a Paris, mas com as ruas limpas de árabes.

— Há uns tempos, limpava-os eu em Argel, nos interrogatórios... Bom, se o ébola falhar, pelo menos confio que apareça em breve um vírus novo para dizimar os homossexuais, ah, ah, ah.

— Papá...

— Diz, amor, queres um gelado?

— Achas que um dia eu posso ser como tu... e liderar a extrema-direita?

— Uma mulher líder?... [resmungando para dentro]... deves ter ouvido falar alguma feminista lésbica... [mais alto] daqui a 40 anos falamos, mon bisou.

Quatro décadas depois, o choque entre os dois encontra a Europa num momento difícil. Por exemplo, o Presidente da Alemanha, Joachim Gluck, tem desde esta semana o direito de chamar “loucos” aos neonazis alemães, segundo decisão do Tribunal Federal Constitucional, a mais alta instância jurídica do país. Os neonazis não se conformam com a discriminação e viram-se para Portugal, onde “o primeiro-ministro Passos Coelho e Teresa Leal Coelho (muito coelhos há entre povos inferiores do Sul...) encontraram a solução: demitir os juízes do Constitucional! Não são escrutinados e foram mal escolhidos por nós! Jawol! Achtung! Viva la Muerte!”

Ao mesmo tempo, na Madeira, Alberto João Jardim atinge hoje 36 anos e 90 dias como presidente do Governo, batendo o bonito recorde de Oliveira Salazar. Jean-Marie le Pen foi chefe da FN durante 38 anos e não ganhou o poder, vamos lá ver como é que a filha se porta.

Para já, ela parece cantar o primeiro grande êxito da sua arqui-inimiga Madonna, Like a Virgin: uma virgem da extrema-direita xenófoba, tocada por um ar de democracia pela primeira vez.

Num molho falso de “soberania” e “independência”, o nazi-fascismo de Marine está ainda a marinar.     

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