Daniel Innerarity: Espanha deve ter uma lógica federalizante e confederal

O partido de Mariano Rajoy ainda não compreendeu que os cidadãos punem a corrupção, os socialistas têm uma liderança débil, o Podemos está perdido no labirinto das suas opções e o Cidadãos é um projecto de laboratório. É esta a definição do quadro político espanhol

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[Realidades constitucionais distintas] acontecem noutros sítios do mundo. Na UE há países em Schengen, outros que estão no euro" Enric Vives-Rubio

Daniel Innerarity, catedrático de Filosofia e Ciência Política, candidato a deputado não eleito por Geroa Bai, formação nacionalista navarra, esteve em Portugal para a apresentar o seu livro “A política em tempos de indignação” e participar num debate na 2.ª edição do Festival Internacional de Cultura de Cascais. Hoje, no dia das eleições autonómicas da Galiza e do País Basco, aborda a situação política espanhola. Para Espanha, Innerarity defende um modelo constitucional hibrido que desate o nó da polémica territorial que paralisou, desde o ano passado, a formação de um Governo. Seria a conjugação das lógicas federal e confederal com a solução actual, numa espécie de Espanha a três velocidades.

No livro, faz um elogio aos acordos, às cedências. É esse o problema hoje de Espanha?

O livro foi escrito durante anos, em que boa parte do tempo estive fora de Espanha, em Itália, França e Canadá.  O que escrevi foi de forma geral, embora a transição [do franquismo para a monarquia constitucional] tenha sido um momento de pactos demasiado sacralizados e muitos dos actuais problemas espanhóis têm origem nessa transição incompleta, como uma fórmula que põe muitas dificuldades para a constituição do governo e para o seu derrube [moção de censura construtiva] porque havia o medo à instabilidade. O que então tinha a sua lógica. Mas por detrás do meu livro está a preocupação de entender o poder como uma realidade compartilhada, para além das ideias de soberania, hegemonia, maiorias absolutas. Entender que, afinal, a política é uma coisa decepcionante porque põe de acordo pessoas com ideias diferentes e, portanto, não satisfaz completamente. Mas ai de nós se a política nos satisfizesse plenamente.

Refere que há uma necessidade premente de revisão quadro constitucional espanhol. Que solução propõe?

No começo da transição, do ponto de vista territorial havia em Espanha dois assuntos que se misturaram perversamente. A necessidade de descentralizar um Estado muito centralizado e a de dar um tratamento político às reclamações de autogoverno, fundamentalmente de Euskadi e Catalunha. Eram duas lógicas diferentes que se misturaram e deram lugar a fenómenos perversos. Creio que nestes momentos em Espanha tem de haver uma lógica federalizante e, também, uma lógica confederal. Aliás, do ponto de vista constitucional, a relação que o País Basco tem de facto com Espanha é mais confederal que federal. Há um reconhecimento de uma realidade prévia à Constituição de 1978.

Tal solução poderia ser utilizada noutras regiões?

Teoricamente na Catalunha.

Isso não criaria uma Espanha de três velocidades: federal, confederal e a actual?

Na realidade é o que já somos. Na comunidade autónoma basca e em Navarra o Estado não recebe impostos, uma das três peças fundamentais da soberania clássica, e isso não provocou especiais problemas de oposição.

Como se articulariam estas três realidades constitucionalmente distintas e com representações diferentes dos povos no mesmo Estado?

Isso acontece noutros sítios do mundo. Na União Europeia há países que estão em Schengen, outros que estão no euro, países que têm uma relação muito intensa e particular com a Europa, como a Noruega.

E onde estaria o País Basco?

Há caminhos a explorar no percurso confederal. Há problemas de autogoverno basco que podem ser melhorados.

Como encara os partidos políticos espanhóis?

O Partido Popular (PP) é um partido que fundamentalmente foi incapaz de entender que há certas coisas inaceitáveis na sociedade espanhola. O recente caso do ex-ministro José Manuel Soria [da Indústria, Energia e Turismo do Governo de Mariano Rajoy], que teve de se demitir por um caso de corrupção familiar, é um exemplo. Minutos depois de ter chumbado no debate de investidura, Mariano Rajoy propô-lo como director-executivo do Banco Mundial em representação de Espanha. Propôs um ministro que teve de se demitir por um caso de corrupção. Não entendeu nada do que se está a passar, aliás Rajoy tem um problema da percepção da realidade.

Coisas que eram aceites, ainda que estivessem mal, hoje são absolutamente inaceitáveis pela população espanhola. O PP no seu actual formato e com esta percepção da realidade não pode governar Espanha pela sua relação com a corrupção e por não ter compreendido que tem de ceder muito mais. Há mais incapacidade de compreender onde hoje está a sociedade do que má vontade.

E os socialistas?

O PSOE [Partido Socialista Operário Espanhol] tem uma liderança débil e teve um medo horroroso a uma solução à portuguesa [apoio parlamentar à esquerda] que penso poderia ter explorado. Antes era mais fácil do que é agora.

Quanto ao Podemos?

O Podemos é um partido que suscita muitíssima desconfiança nos seus potenciais parceiros. Em vez de melhorar a confiança, diria que tem aumentado a desconfiança. Mais pela metodologia de articular essa negociação, e por ainda não ter decidido se quer estar no governo, se quer manter os princípios na oposição ou onde afinal quer estar. Recordo que foi um partido que distribuiu ministérios ainda antes de começar a negociar com os socialistas, uma coisa mais pueril que autoritária. O seu problema é articular-se [com o PSOE) do que a sua gestão da questão catalã, com a defesa do direito a decidir da Catalunha. Nesse campo, poder-se-ia ter ido a fórmulas de compromisso. Há níveis de compromisso, há soluções possíveis, embora difíceis.

Finalmente, Cidadãos?

É um projecto de desenho de laboratório, tem um modelo muito jacobino de Estado que teve de suavizar um pouco.

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